Crítica
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Sinopse
Madame Durocher conta a história de Marie Josephine Mathilde Durocher, que chegou jovem ao Brasil, em 1816, acompanhada da mãe, uma modista francesa. A loja que abriram acabou não indo bem. Após a morte da matriarca, Durocher decide aprender a função de parteira. Seleção oficial do Festival Varilux de Cinema Francês 2024.
Crítica
Fazer um filme de época não é fácil. O primeiro desafio é a reconstituição de um tempo passado, algo que pode oferecer desafios técnicos/criativos muito específicos. A não ser as propostas de exceção, que brincam com a (falta de) fidedignidade de cenários, figurinos e traquejos sociais, o público espera desse tipo de filme a capacidade de fazê-lo acreditar – e o cinema pode se transformar numa cápsula do tempo ao nos transportar para outros momentos da História. Claro que os cineastas não têm a obrigação (e talvez nem seja aconselhável) de oferecer à plateia apenas o que ela deseja a priori, mas isso é papo para outro momento. Madame Durocher é ambientado no século 19, na cidade do Rio de Janeiro. Produção brasileira selecionada para o Festival Varilux de Cinema Francês 2024, ela começa chamando a atenção negativamente pela dificuldade de construir um passado crível. Os figurinos parecem novos demais para serem roupas antigas de uso corrente, os cenários dão uma ideia apenas vaga da época citada e os modos dos personagens não refletem os equivalentes comuns a dois séculos atrás. Portanto, imediatamente, os cineastas Dida Andrade e Andradina Azevedo perdem pontos no quesito credibilidade, a partir disso torcendo por uma generosa suspensão da descrença do espectador. A cinebiografia da personalidade notável é cheia de boas intenções, mas de maus acabamentos.
Madame Durocher fala da personagem-título (interpretada na juventude por Jeanne Boudier e na maturidade por Sandra Corveloni), filha de uma forasteira francesa com pensamentos à frente do seu tempo. Essa mãe, Anne (Marie-Josée Croze), resiste aos pedidos de casamento do namorado e ainda mais às investidas do capitalista desalmado vivido por Fernando Alves Pinto, oferecendo exemplos de resiliência e pensamento progressista. No entanto, Dida Andrade e Andradina Azevedo não dão valor aos vários assuntos contidos nas diversas cenas curtas. Aliás, o roteiro a cargo de Rita Buzzar e João Segall é feito de uma sucessão de esquetes ligeiras que começam um tópico, o elaboram de maneira superficial e mal o encerram até aparecer o próximo e assim sucessivamente. Por exemplo, nem bem nos acostumamos à força de Anne, ela repentinamente é encarada como a mulher cuja saúde inspira cuidados e, tão apressadamente quanto mudou de estatuto, ela morre deixando a filha órfã e desamparada. Os realizadores não nos oferecem tempo e circunstâncias apropriadas para absorvermos o drama das personagens, assim simplesmente pulando de tema em tema numa tentativa de abranger o maior número possível de questões ao tratar da vida de uma mulher que entrou para a História por sua garra. Quando tudo é prioridade, nada vira prioridade. E o filme se torna um emaranhado de sentenças.
É quase um clichê do cinema biográfico a superficialidade resultante da abordagem generalista. Ainda que o roteiro de Rita Buzzar e João Segall não contemple desde o nascimento da protagonista, optando pela reta final de sua adolescência como ponto de partida, a personagem é confinada à imagem do exemplo a ser seguido. As contradições, as possíveis hesitações e os erros são minimizados por uma perspectiva admirada. É evidente que Dida Andrade e Andradina Azevedo querem enfatizar a coragem de Durucher, a sua capacidade de resistir à permanência do machismo numa sociedade que reivindicava a modernidade como chave-mestra para ser reconhecida, em meio a isso também destacando como o racismo e o sexismo muitas vezes andam de mãos dadas. Até aí tudo bem no reino das intenções. As premissas são nobres, o ponto de vista é o da valorização dos oprimidos frente uma sociedade predisposta a sufocar os menos favorecidos, mas a execução deixa a desejar. Não basta querer falar, é preciso saber como falar. Nesse sentido, as quase duas horas de duração de Madame Durocher acabam sendo cansativas, provavelmente até mesmo à parcela dos espectadores sem grandes exigências quanto à criatividade da linguagem cinematográfica. As questões suscitadas pelas atitudes dessa mulher moderna se esvaem. Nisso, até mesmo as cenas mais engajadas possuem um quê estereotipado.
Outro ponto negativo que pode ser atribuído tanto ao roteiro de Rita Buzzar e João Segall quanto à direção de Dida Andrade e Andradina Azevedo é o simplismo associativo entre ações e sentimentos. A trama cria armadilhas emocionais para impor ao espectador aquilo que ele deve pensar, não deixando espaço à autonomia nessa experiência passiva de assistir ao filme. Por exemplo, há todo alarde em torno da resistência de um médico aos anseios profissionais de Durocher quanto a ser admitida na academia de medicina. Então, aparece uma situação em que ele pagará um preço caro demais por não aceitar a ajuda dela. E tudo isso é somente a preparação para o instante em que a protagonista deixará de lado as suas mágoas e salvará a vida desse homem vil, oferecendo a ele uma segunda chance. Não há traços de complexidade, somente a manutenção de um olhar maniqueísta onipresente no longa-metragem. Brincando de esconde-esconde com o melodrama (ora o aceitando, ora o refutando), os cineastas preferem antagonizar figuras benéficas e maléficas para chegar a um retrato inequívoco de santidades e demonizações. Enfim, não bastasse o artificialismo não intencional da reconstituição de época, a sucessão de cenas ligeiras para supostamente dar conta de assuntos intricados, o filme ainda é incapaz de enxergar luz onde aparentemente existe apenas trevas e vice-versa. Tudo é ou não.
Filme visto no Festival Varilux de Cinema Francês em outubro de 2024.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 3 |
Miguel Barbieri | 5 |
Ticiano Osorio | 4 |
MÉDIA | 4 |
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