Sinopse
Crítica
Para quem gosta de coincidências, é bom prestar atenção: neste ano de 2017 tivemos um ótimo filme chamado Logan (sim, o x-men interpretado por Hugh Jackman) e uma divertida brincadeira chamada Logan Lucky (a volta-do-que-não-foi de Steven Soderbergh). Pois bem, os mais antenados já perceberam a ligação, e se agora o que faltava era um longa batizado simplesmente Lucky, a espera acabou. E sabe qual a maior surpresa? Essa, que chega agora, por último, é, provavelmente, o melhor dos três. Bom, deixando de lado jogos de palavras e falando sério, este drama tragicômico que marca a estreia do ator John Carroll Lynch (um coadjuvante por excelência, visto em filmes como Zodíaco, 2007, e Ilha do Medo, 2010) como realizador é uma verdadeira pérola a ser descoberta, que tem muito da sua força em uma atuação estelar do saudoso Harry Dean Stanton, que se foi deixando como adeus uma obra inequivocamente à altura do seu gigantesco talento.
Pois é triste perceber que foi preciso chegar ao fim de uma jornada de exatos 200 créditos (!) no cinema e na televisão para que Harry Dean Stanton surgisse não só como protagonista, mas como um leading man do qual os olhos do espectador não conseguem se afastar. Assim como seu intérprete, Lucky é um nonagenário orgulhoso da sua trajetória, ciente de sua condição e sem vontade alguma de se despedir. Porém, há forças que não podem ser vencidas. É por isso que vive um dia de cada vez. Logo ao acordar, a rotina é sempre a mesma: alguns exercícios, um café da manhã espartano, um cigarro e uma caminhada pela pequena e árida cidade onde vive. Lá ele conhece todo mundo, e todos os conhecem. É rei do seu pequeno vilarejo, e faz questão de ter as coisas ao seu modo: o mesmo lugar onde senta na lanchonete, as mesmas palavras-cruzadas, os mesmos abanos e cumprimentos, e até a mesma conversa fiada com a dona da tabacaria. Mas algo está prestes a mudar, vindo tanto dele quanto daqueles que o rodeiam.
O peso dos anos está sobre seus ombros. Um dia tonteia, e cai. Na visita ao médico, a conclusão é rápida e direta: velhice. Está tudo bem – o problema está nos anos que acumula. E se dar conta de que o fim está próximo não é fácil de lidar. Um dia, o seu banco de sempre está ocupado por jovens que nem imaginam o ultraje cometido. A dona que lhe vende cigarros decide olhar para ele, e não apenas vê-lo como mais um. Desta troca, nasce um convite. Uma proximidade que nunca se imaginou, começa a nascer. Mas não só com ela. Duas palavras com um estranho podem acender chamas que se acreditavam apagadas. Uma visita inesperada pode revelar tanto sobre ele como a respeito daquela que acabou de chegar. E o que falar dos velhos amigos, com quem passa as noites a beber, jogar conversa fora e relembrar antigas histórias? O papel da mulher, a novidade trazida pelos mais novos, e até mesmo um abandono inesperado pode significar mais do que uma suspeita inicial poderia indicar.
Infelizmente, Harry Dean Stanton não viveu para ver nas telas o seu trabalho mais reconhecido. Lucky estreou nos cinemas norte-americanos em 29 de setembro, duas semanas após sua morte, que se deu no dia 15 do mesmo mês. Por este trabalho, ele já foi indicado como melhor ator do ano no Satellite e no Gotham Awards, além de ter sido premiado postumamente no Festival de Gijón, na Espanha, e no Film Club’s The Lost Weekend, nos EUA. Se houvesse alguma justiça em Hollywood, seu nome estaria carimbado para o próximo Oscar. Porém, é difícil que um filme como esse, pequeno e discreto, chegue tão longe – ainda que conte também com participações estelares de Tom Skerritt e David Lynch (atuando!). Não por falta de méritos – pois, estes, possui de sobra – mas pelo próprio modo como o sistema funciona. Algo, enfim, que só se pode lamentar.
Dean Stanton oferece toda a sua energia e fragilidade a um personagem arrebatador. Acompanhamos suas quedas e suas voltas por cima, em momentos de plena magia e encantamento, seja pelo simples existir, pela emoção que une as pessoas e pelo pesar de um tempo que já se foi e, obviamente, não volta mais. Não são conquistas ou vitórias, muito pelo contrário – está nas pequenas coisas pelo que demostrar respeito e gratidão. Seja numa canção à capela, numa rotina quase irrelevante, pela caminhada que leva sempre aos mesmos caminhos ou numa discussão tão feroz quanto apaixonante – só quem se importa pode imaginar tamanha fúria – a sensibilidade de um cineasta que se revela de primeira grandeza encontra o par perfeito em um intérprete pronto para dizer adeus. Se foi, assim como a tartaruga de estimação – no vão de uma porta entreaberta, sem dizer adeus nem deixar bilhetes de despedida, mas podendo estar à espreita em qualquer lugar. Afinal, distância é só mais um conceito com o qual lidar, tanto no sonho quanto na dura realidade da vida.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 9 |
Marcelo Müller | 8 |
Leonardo Ribeiro | 7 |
MÉDIA | 8 |
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