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Sinopse

Reginaldo procura o pai obsessivamente. Dario sonha em ser futebolista. Dinho é o religioso. Dênis encontra dificuldades para se manter financeiramente. Quatro irmãos criados pela mãe-coragem Cleuza.

Crítica

Walter Salles e Daniela Thomas são parceiros de longa data. E são bons no que fazem. Linha de Passe, o mais recente longa-metragem dirigido pela dupla, é um ótimo exemplo disso. Por outro lado, não é superior ao filme mais importante já feito por eles, o emblemático Terra Estrangeira (1996), um dos marcos do “renascimento” do cinema nacional nos anos 90, ou ao trabalho anterior dos dois em conjunto, o curta “Loin Du 16ème”, que faz parte do belíssimo Paris, Te Amo (2006). Mas é muito mais bem acabado que outro bom trabalho deles, O Primeiro Dia, sobre a virada do milênio. Ou seja, é um produto que fica no meio termo, que provoca grandes inquietações e estranhezas durante o seu desenrolar, mas que vai melhorando com o tempo, principalmente após o seu término.

Linha de Passe não é um filme fácil. Para começar, praticamente não tem história. É mais um panorama das dificuldades enfrentadas por aquelas pessoas que vivem à margem, na periferia das grandes cidades, e que a cada novo dia enfrentam uma batalha pessoal para conseguir se sustentar e chegar novamente até a hora de dormir prontos para um merecido descanso. São profissionais despreparados, que executam trabalhos que ninguém mais quer ou procura, mas que todos precisam. São aqueles que contam os trocados, que lutam com o suor do rosto para manter uma integridade que, de tanto ser questionada, muitas vezes acaba até perdendo sentido. E são nestes momentos, em que lutam para aparecer, para serem alguém, para simplesmente serem vistos, notados como iguais, que podem acabar nos desvios da sociedades, roubando, agredindo ou apenas mentindo. Mas provocando algo, reações e conseqüências, algo que comprovem que ao menos estiveram por ali.

No centro da ação está uma família de quatro irmãos e uma mãe, grávida novamente de uma quinta criança. Os três mais velhos, filhos de um mesmo pai, já falecido, são praticamente adultos: um é motoboy e pai ausente, o do meio é frentista e evangélico e o último sonha em entrar num grande time e fazer carreira como jogador de futebol. O caçula, por outro lado, é apenas uma criança e anseia por conhecer o pai, identidade que a mãe lhe nega. O garoto só sabe que é filho de um negro motorista de ônibus, e por isso passa seus dias pelo transporte coletivo da cidade, imaginando qual daqueles condutores poderia se encaixar na figura paterna que imagina. Por fim há a mãe, brava guerreira que tenta, desajeitadamente, ensinar algo aos filhos, nem que seja pelo exemplo. Ela trabalha como empregada em um amplo apartamento mais no centro da cidade, enquanto mantém a paixão pelo seu time de futebol favorito. Episódios como o aniversário de um dos filhos, a atração de outro pelo mundo do crime, as dificuldades dela em trabalhar com a barriga que cresce mais a cada dia, o desconforto do menor em ter uma cor de pele mais escura que a do resto da família e do outro em dúvida em relação a sua fé vão provocando os acontecimentos que unem e afastam estes personagens, até um final forte e repleto de muitos significados, todos além de uma mera interpretação, mas poderosos o suficiente dentro de seus contextos.

Selecionado discretamente para o último Festival de Cannes, o mesmo em que todas as atenções estavam em outro brasileiro – Fernando Meirelles e seu Ensaio sobre a Cegueira – Linha de Passe acabou surpreendendo a todos ao trazer para casa o prêmio de Melhor Interpretação Feminina para a estreante Sandra Corveloni, que até então só havia atuado no teatro. E olha que ela bateu uma competição acirrada, que incluía nomes como o da própria Julianne Moore (por Cegueira) e Angelina Jolie. Não que esse reconhecimento não seja justo – apenas é diferente do que estamos acostumados. Corveloni não domina a cena, e nem chega a ser a principal protagonista – papel que divide em igualdade com cada um dos atores que interpretam seus filhos. Mas ela desempenha com destreza a função que lhe é designada. Da mesma forma que João Baldasserini, José Geraldo Rodrigues e Kaique de Jesus Santos, todos igualmente novatos no cinema. O único com alguma experiência prévia é Vinícius de Oliveira, que ficou mundialmente famoso ao encarnar o menino que acompanha Fernanda Montenegro em Central do Brasil (1998). Agora ele está de volta, grande, com o rosto cheio de espinhas e o cabelo comprido, mostrando que o talento revelado 10 anos atrás não foi sorte de principiante.

Experiência bastante singular dentro da atual produção cinematográfica brasileira, dividida entre comédias de apelo popular, obras de compreensão hermética e projetos de resultados medíocres, Linha de Passe é um trabalho que cresce com o tempo. Seja pela bela trilha de Gustavo Santaolalla (vencedor do Oscar por O Segredo de Brokeback Mountain, em 2006, e Babel, em 2007), ou pelo roteiro amarrado por Bráulio Mantovani (indicado ao Oscar por Cidade de Deus), são tantas qualidades envolvidas que é difícil nos fixarmos em apenas uma. É daqueles filmes que, após o fim, vai conosco para casa, grudado aos nossos pensamentos e análises. E quanto mais refletimos, melhor ele fica. A primeira sensação pode até ser frustrante, mas tenha calma. Seu valor não é de acesso imediato, mas uma vez percebido é justificado com folga.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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