Crítica


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Sinopse

Um menino de 7 anos, chamado Vinci, vive com a mãe e o avô em uma pequena cidade. Ele tem um grande sonho: encontrar seu pai, que nunca conheceu.

Crítica

Originalmente, Kalanga é uma minissérie de televisão que foi ao ar em 2016 com o subtítulo Cidade das Bicicletas. Agora, talvez como forma de homenagear o recentemente falecido Leonardo Machado, chega às telonas este corte cinematográfico. O que temos é um filme apressado, que não dá espaço nem tempo suficiente para os personagens se assentarem, tampouco a fim de que os dramas amadureçam plenamente. Há uma atmosfera pueril no decurso da história passada numa cidade fictícia em que todos andam em duas rodas e cultivam uma verdadeira ojeriza da metrópole vizinha. O protagonista é o pequeno Vinci (Lucca Araujo), prestes a completar sete anos e ganhar a sua primeira magrela. A data é especial, pois, dentro dos costumes da localidade, marca uma espécie de rito de passagem. No desenho das particularidades da comunidade, há os melhores amigos dele, Dorim (Náthali Sepeprim) e Luban (Erik Kauã), a mãe e a tia, ambas interpretadas por Ingra Lyberato, o vendedor safado travestido de pastor zeloso, vivido por Eduardo Mendonça, e o vilão encarnado por Luis Franke.

Kalanga é focado na busca do menino pelo pai desaparecido misteriosamente. Enquanto lida com a expectativa de finalmente começar a pedalar sozinho, ele se expressa com inocência, preservado da malícia que, em princípio, residiria apenas na cidade grande. Todavia, como vemos no desenrolar, o lugarejo também possuiu nocividades, vide o empresário local disposto a atrocidades para se estabelecer comercialmente e o falso religioso caricato, mais preocupado com os montantes se aglomerando no cofre que com a salvação das almas. Mas, o cineasta Rogério Rodrigues passa batido por essa discussão da maldade infiltrada num espaço interiorano de pureza, oferecendo somente instantes de observação banal. As coisas se resolvem muito facilmente neste longa-metragem gradativamente combalido por uma encenação simplória, cuja dinâmica rasa entre os personagens impede o desenvolvimento de certas subtramas. O fraco desempenho do elenco, a começar pelas crianças, explicita o tom dominante de debilidade.

A dicotomia entre urbe e interior é aproveitada a contento enquanto elemento da fábula que Vinci cria internamente na tentativa de entender o mundo. A ausência do pai, a parceria do avô entrevado numa cadeira de rodas, a diferença sintomática entre o comportamento da mãe e o da tia visualmente idênticas, tudo é subaproveitado. Nem mesmo a amizade dos moleques é sustentada como imprescindível para que o enredo caminhe. Sobressai em Kalanga uma ingenuidade não necessariamente restrita à forma como o protagonista absorve demandas e coloca planos em andamento. Sem peso dramático suficiente, as circunstâncias perdem relevância tão logo surgem e o acúmulo desse efeito colateral involuntário mina consideravelmente o conjunto. O enigma acerca do desmemoriado vivido por Leonardo Machado é outro sintoma da tendência de promover forçosamente ligações entre as pessoas em cena. Momentos como um esperado reencontro, por exemplo, carecem de emoção.

A gênese televisiva não configura entrave, uma vez que, obviamente lidando com restrições orçamentárias, a produção sai-se razoavelmente bem na missão de criar uma cidade de personalidade própria, com regras e rotinas suas. Porém, o filme se ressente da ausência de carga dramática. Prevalece um artificialismo contraproducente, no que tange, sobretudo, à relação dos personagens. É difícil aderir plenamente aos dilemas apresentados, uma vez que falta espessura à dramaturgia e à condução do cineasta Rogério Rodrigues. Leonardo Machado, num de seus últimos papeis, faz o que pode com um personagem pequeno que, primeiro, demonstra anseios de crescer, e, segundo, percorre um caminho conhecido para alguém desmemoriado por uma barbaridade alheia. O encerramento, anticlimático pela forma como utiliza canhestramente a elipse para suprimir detalhes de uma transformação capital, é exemplar das inconsistências de várias naturezas que fazem dessa produção bastante inofensiva.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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