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Sinopse

Paula decidiu seguir seu companheiro até Paris, após longa ausência. No local, ela acaba sendo deixada por ele após 10 anos de relacionamento. Apesar de tudo, não é uma mulher melancólica e nostálgica. Por isso decide permanecer nesta cidade desconhecida e ser engolida por ela, aproveitar tudo que for possível. Mas sua solidão e encontros fugazes acabam fazendo-a repensar as certezas que possuía.

Crítica

A resposta de Paula (Laetitia Dosch) ao término do relacionamento de 10 anos com um fotógrafo mais velho é a pura desorientação, afinal de contas emancipar-se dessa dinâmica não implica apenas questões de ordem prática. Embora tenha de lidar prontamente com a falta de moradia e dinheiro, é sua confusão sentimental que mais pesa na adaptação à nova realidade. Não à toa, adiante, durante uma consulta médica, ela relativiza a primazia da estabilidade, mas não sem antes percorrer um caminho repleto de contratempos, especialmente no intuito de estabelecer vínculos. Jovem Mulher se dá na observação da árdua realocação de sua protagonista no mundo, numa Paris alheia aos seus problemas. A personalidade singular dessa mulher em busca de outros espaços, literais e metafóricos, não é exatamente um elemento facilitador. Ela se comporta, no mais das vezes, intempestivamente, reagindo ao entorno nem sempre de maneira óbvia ou da forma esperada por seus pares.

A cineasta Léonor Serraille investe na construção dessa dificuldade de criar elos que caracteriza o imediato despejo de Paula do lar. Todas as tentativas iniciais de aproximar-se de alguém, em diversos níveis, parecem fadadas ao fracasso, por motivos bastante diversos. Ela própria demonstra inadequação, um estado valorizado pela câmera, fruto da expressividade de Laetitia Dosch, atriz que praticamente monopoliza a atenção do dispositivo colado em seu corpo, atento às suas reações. Jovem Mulher não é o tipo de filme que fornece respostas facilmente. É preciso um esforço do espectador, caso este queira perscrutar profundamente os dramas vigentes. Citar uma cena específica de Imitação da Vida (1959) se torna uma homenagem curiosa, justo porque, diferentemente do clássico melodrama de Douglas Sirk, aqui as emoções absolutamente relevantes ficam escondidas logo abaixo da superfície, surgindo ocasionalmente, sem brechas para rompantes, guardadas nas minúcias dos gestos.

Jovem Mulher apresenta uma série dessas convergências truncadas às quais Paula se submete na tentativa de encontrar-se. Ela consegue dois empregos, um como babá, outro numa loja de lingeries. A duras penas, angaria a afeição da criança, mas, a partir daí, a mãe da mesma encrenca com o método desregrado aplicado à rotina. A instabilidade é reforçada pela recorrência dos percalços, algo ocasionalmente redundante do ponto de vista puramente dramático, uma fragilidade conceitual compensada pela forma como o roteiro encadeia as particularidades dos episódios. Paula chega ao ponto de assentir quanto à confusão alheia, se aproximando de uma desconhecida, fingindo ser uma outrora colega dela. Nessa interação, especificamente, a veracidade do vínculo criado a posteriori prevalece sobre a mentira utilizada para justifica-lo a priori. A realizadora deixa várias situações no nível da indeterminação, ora logrando êxito com tal expediente, ora incorrendo num excesso latente.

É visível o processo de amadurecimento de Paula ao longo de Jovem Mulher. Todavia, o trajeto aqui não parte necessariamente da imaturidade, como se pode pensar num primeiro instante. O que verdadeiramente a entrava quando apartada do homem por quem foi perdidamente apaixonada é a falta de perspectiva que a transformação do cotidiano lhe traz. Ela precisa, rapidamente, aprender a viver sozinha, a garantir o próprio sustento e a prescindir da presença masculina como componente peremptório. Subaproveitada por Léonor Serraille, especificamente no que tange ao aspecto político-social, a proximidade com Ousmane (Souleymane Seye Ndiaye), o segurança africano do shopping no qual Paula trabalha, mostra outra possibilidade de envolvimento romântico, embora isso não seja relevante ao ponto de indicar outra vereda ao longa-metragem. Assim como a ferida na testa cicatriza com o passar do tempo, a protagonista se refaz, aos poucos, mas não perdendo sua essência ao avançar.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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