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Sinopse

Endividado, Howard, dono de uma loja de joias, precisa encontrar um meio de resolver a sua delicada situação financeira. A grande chance parece vender uma pedra não lapidada vinda da Etiópia. Ele a oferece a Kevin Garnett, astro da NBA e um dos seus clientes mais assíduos, mas depois resolve que pode faturar mais se decidir colocá-la num leilão. Mas, para que isso aconteça, precisará driblar credores e as confusões criadas por seu próprio comportamento.

Crítica

Desde o começo, Howard (Adam Sandler) se apresenta como um sujeito prestes a ser consumido por sua imensa caoticidade. Apostador inveterado, está atolado até o pescoço em dívidas de jogo que vão se sobrepondo até criar um manancial de débitos aparentemente sem fim. Contribui à delineação desse personagem à beira do precipício a sua grosseira irresponsabilidade, imprudência que o faz, por exemplo, confiar uma opala valiosíssima, recebida da Etiópia, a um famoso jogador de basquete que a deseja. Ainda que a gema seja, a priori, uma peça-chave para desatola-lo das circunstâncias que ameaçam suas integridades psicológica, emocional e física, ele a empresta ao sujeito que, a despeito da fama, pode muito bem desparecer, assim colocando-o em maus lençóis por extirpar sua chance de transcender o infortúnio. Joias Brutas possui uma tensão minuciosamente lapidada pelos cineastas Benny e Josh Safdie, com modulações bem equilibradas.

Há um campo gravitacional exasperante em torno de Howard. A atmosfera é gerada pelas escolhas do negociante de joias, condutas amparadas por uma sorte fora do comum. Sim, pois Joias Brutas se debruça sobre uma figura afortunada como poucas, e que, por isso mesmo, parece sempre disposta a colocar à prova tal condição, tomando atitudes intempestivas, provocando o pior daqueles que o circundam. Os realizadores deflagram diversas situações que comprovam a imensa estrela do personagem de Adam Sandler, com isso quebrando sutilmente expectativas, brincando incessantemente com lugares-comuns cinematográficos. Benny e Josh Safdie subvertem a lógica comum, utilizada à exaustão, da ação imponderada sendo imediatamente sucedida por resultados catastróficos. A opção visa demonstrar, exatamente, a excepcionalidade da ventura do protagonista nutrido pela adrenalina do risco, em níveis distintos. A narrativa imprime voltagem e pressão.

Quando Howard faz a primeira aposta, obviamente inclinando-se ao erro por arriscar uma quantia enorme em algo sem garantias, é intrínseca a expectativa do fracasso, sobretudo pela forma como Benny e Josh Safdie manipulam o clichê. Todavia, o êxito surge como um indício, confirmado consecutivas vezes adiante, em pequenas e grandes jogadas. Ao permitir que o filho entre no prédio no qual mantém a amante, lançando mão do plano estapafúrdio para evitar que o garoto tenha contato com a mulher, Howard estica até onde pode a sua vocação para dar-se bem no fim das contas. Novamente, há uma habilidosa frustração da maior probabilidade, assim como se vê em tantas outras ocasiões no decorrer de Joias Brutas. A sorte também é aplicada como produto da superstição, vide o apego do atleta da NBA pelo artefato que lhe aumenta a confiança nas quadras. Em dado instante, de maneira pujante, essas fortunas se cruzam, criando uma dinâmica bastante simbólica.

Joias Brutas é um filme demarcado pela inquietude, fruto da forma como a montagem cria um ritmo febril. Como estamos falando de uma produção altamente dependente do trabalho do ator principal, uma vez que todas as observações se espraiam aos coadjuvantes a partir do protagonista – que, assim, condiciona integralmente o andamento do longa-metragem –, há de se celebrar efusivamente o desempenho de Adam Sandler. Mais conhecido por comédias de gosto duvidoso, ele tem uma performance brilhante como esse judeu de comportamento singular, intermitentemente irritadiço. É como se ele estivesse lutando sem parar contra a sensação de angústia que o leva a uma ansiedade limítrofe. O esforço de Sandler passa pela construção de uma voz e um caminhar específicos, distantes do caricatural, mas peculiares o suficiente para tornar Howard um personagem marcante. Certamente, o ator merecia mais atenção na temporada estadunidense de prêmios.

Benny e Josh Safdie demonstram uma maturidade impressionante na direção de Joias Brutas, claramente avançando desde os bastantes elogiados Amor, Drogas e Nova York (2014) e Bom Comportamento (2017). Burilando arquétipos, colocando em xeque convenções que tangem aos efeitos colaterais da insensatez, eles atingem algo intenso pelo modo como edificam um redemoinho imaginário a partir do protagonista desgovernado. Howard parece fadado ao sucesso, a despeito das aparências, o que lhe permite o luxo de ser irresponsável. Aproveitando-se de certo clima místico, instrumentalizado parcimoniosamente a fim de sinalizar um mistério então delicadamente disposto, o filme caminha ao clímax deixando no ar a pergunta: até quando Howard seguirá ancorado nessa sorte absurda e sem igual? E os desdobramentos de suas ações, em meio a uma torrente de descontentamentos gerados, assumem potência tamanha que obliteram até a sua sina.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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