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Sinopse

Dois vigaristas dão um golpe em um capanga e embolsam uma grana alta. Mas isto não fica assim, pois o chefe da quadrilha decide se vingar. Porém, quando um deles foge e entra em contato com um ex-parceiro, ambos decidem aplicar no criminoso um tremendo conto do vigário.

Crítica

Paul Newman. Robert Redford. George Roy Hill. Ainda que a ordem dos nomes não tenha sido exatamente esta, tal combinação foi determinante para o sucesso de Golpe de Mestre, longa que custou apenas US$ 5,5 milhões e arrecadou quase US$ 160 milhões nas bilheterias, além de ter levado sete das dez estatuetas que disputou no Oscar 1973 – inclusive as cobiçadas de Melhor Filme e Direção. Isto porque, além destes três astros – o mesmo trio responsável pelo icônico Butch Cassidy (1969), um dos faroestes seminais de Hollywood – todos os demais envolvidos eram novatos: o roteirista David Ward estava em recém seu segundo trabalho, enquanto que os produtores Tony Bill, Michael Phillips e Julia Phillips haviam também feito apenas um longa em conjunto (3 Ladrões Desajustados, 1973). A vitória deles no Oscar, aliás, foi histórica: em 46 anos de premiação, foi a primeira vez que uma mulher levou para casa o principal prêmio da noite, mostrando que elas poderiam comprovar seus talentos na indústria não apenas nas categorias óbvias (de atuação e figurino, por exemplo), mas também nas de maior destaque.

Golpe de Mestre defende um enredo que, ainda que quarenta anos atrás soasse um tanto inédito, hoje em dia é quase um subgênero em Hollywood: a dos vigaristas querendo se safar com um último e bem-sucedido plano. Basta lembrar do recente Trapaça (2013) – que, aliás, também concorreu ao Oscar em dez categorias – para verificar como esse tipo de argumento encontra apreciadores na meca do cinema. No filme dirigido por George Roy Hill, o protagonista é o malandro Johnny Hooker (Robert Redford, no auge de sua beleza e talento, conquistando aqui a única indicação ao Oscar como Melhor Ator de toda a sua carreira), que após um lance de sorte numa jogada de rua acaba passando a mão em mais de US$ 10 mil de um otário. O que ele não desconfiava é que esse dinheiro era de um poderoso mafioso, e que sua vítima era apenas um mensageiro. Assim, ele passa a ser perseguido pelo bandido (Robert Shaw, com uma presença magnética), que pra começar elimina seu antigo parceiro (Robert Earl Jones, pai de James Earl Jones). Hooker, tanto para se proteger como para vingar o amigo, se junta a um golpista experiente (Paul Newman, no domínio total do personagem), para juntos armarem o esquema perfeito.

Ainda que inovador em muitos sentidos, Golpe de Mestre representa também o fim de uma era em Hollywood. Suas filmagens, por exemplo, ocorreram quase que integralmente dentro dos estúdios da Universal, dentro de um esquema de segurança e controle que aos poucos estava sendo abandonado pelos novos cineastas – apenas em termos de comparação, os dois vencedores anteriores do Oscar foram Operação França (1971) e O Poderoso Chefão (1972), títulos marcantes pelo seu realismo. A trilha sonora, de Marvin Hamlisch (também premiada), resgatava o ragtime dos anos 1910 de Scott Joplin, um artista até então esquecido que voltou às paradas após o lançamento do filme. E o figurino impressionante, que rendeu o último dos 8 Oscars da mítica Edith Head – no seu discurso de agradecimento, ela teria dito “fui contratada para vestir os dois homens mais lindos do mundo e ainda ganho isso? Que emprego pode ser melhor?” – era cheio de estilo e pompa, de acordo com os anos 1930 quando a trama se passa, mas bem distantes da crueldade das ruas daquele momento.

Assumindo um personagem que muitos recusaram (como Jack Nicholson, por exemplo), Redford afirma ter concordado em ser o protagonista apenas após o diretor George Roy Hill ser contratado. Temia-se que uma história tão engendrada, repleta de subplots e reviravoltas, pudesse fazer sentido nas telas e ser compreendida em sua totalidade pelo espectador. Newman foi o último a entrar – apenas pela vontade de se juntar aos antigos colegas – e ainda que seu nome seja o primeiro do elenco, sua presença é coadjuvante, ocupando o espaço do mestre que passa o bastião ao pupilo (argumento semelhante ao de um dos seus melhores filmes, Desafio à Corrupção, 1961). Golpe de Mestre, no entanto, não seria nada sem esse time em conjunto, pois coloca em evidência mais uma vez a impressionante química destes dois astros, e o quão bem ambos funcionavam sob o comando deste cineasta (cada um trabalharia mais uma vez com ele, porém em projetos separados). A prova disso é que Golpe de Mestre 2 (1983), lançado dez anos depois e com um roteiro do mesmo autor, foi um grande fracasso, justamente por ter trocado o realizador e seus astros principais.

Os olhos azuis de Newman e Redford, o tema do fraco contra o todo poderoso, as artimanhas inesperadas que mudam o rumo dos acontecimentos a todo instante sem permitir obviedades, um elenco de coadjuvantes em perfeita sintonia (dos quais se destacam Charles Durning e Eileen Brennan) e uma condução segura e preocupada, acima de tudo, em narrar uma boa história, fazem de Golpe de Mestre um filme quase perfeito. Se hoje em dia sua premissa pode soar um pouco forçada, se deve principalmente ao fato deste filme ter servido como base para tantos outros que o seguiram, alguns homenageando-o, muitos apenas lhe copiando. É uma obra que provavelmente não pudesse ser feita atualmente, mas que representa um espírito e um formato vitorioso por muitos anos e que fez do cinema norte-americano a força que é hoje. Um pedaço importante da história, mas, acima de tudo, uma peça absolutamente competente de entretenimento para todos os tipos de público e crítica.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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