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Sinopse

Diogo é um adolescente de 17 anos que gosta de ligar para as pacientes da sua mãe, que é psicanalista. Assim, conhece Ângela, de 43 anos, que acabou de ser abandonada pelo marido. Os dois se apaixonam e precisarão encontrar uma maneira de permanecerem juntos, mas os obstáculos são muitos: a diferença de idade entre eles, a mãe dele e, acima de tudo, seu próprio caminho em direção à idade adulta.

Crítica

Após colaborar com roteiros de filmes elogiados, como Hoje (2011), de Tata Amaral, Histórias Que Só Existem Quando Lembradas (2011), de Júlia Murat, e Campo Grande (2015), de Sandra Kogut, e comandar curtas premiados, como (2007), o carioca Felipe Sholl realiza sua aguardada estreia na direção de longas com uma obra que carrega diversos elementos encontrados, em maior ou menor escala, em cada um desses citados trabalhos. Em Fala Comigo, o pedido incutido no título parece vir, ao menos inicialmente, de Ângela (Karine Teles), mulher na faixa dos 40 anos, recém-separada, que, já na cena de abertura, é vista ao telefone, recebendo uma enigmática chamada. Acreditando se tratar de Otávio, seu ex-marido, Ângela, sofrendo com a solidão, fica ainda mais abalada ao obter apenas o silêncio como resposta às suas perguntas.

Logo na sequência, porém, Sholl revela o verdadeiro autor da ligação: Diogo (Tom Karabachian), jovem de 17 anos – e filho de Clarice (Denise Fraga), terapeuta de Ângela – que possui o fetiche de telefonar na madrugada para as pacientes de sua mãe e se masturbar ao som das vozes das mesmas, completando o ritual com a catalogação do resultado do ato numa pasta com nome, idade da paciente, data da ligação e nota para o nível de prazer da experiência. Por sempre estender suas falas, mesmo sem ouvir qualquer réplica, Ângela acaba se tornando o alvo favorito e recorrente de Diogo, até o dia em que um de seus trotes quase leva à tragédia, culminando no encontro e no início de um impensado relacionamento entre eles.

Com o dilema central estabelecido, aos poucos, Sholl deixa transparecer que o clamor inicial pelo diálogo se estende, para além de Ângela, aos outros personagens. A questão da incomunicabilidade se faz presente em quase todas as relações vistas em Fala Comigo, em particular nas de Clarice, que ironicamente tem no ato de ouvir pessoas parte fundamental de sua profissão, mas que se vê cada vez mais distante de sua família, tanto de Diogo e sua irmã mais nova, Mariana (Anita Ferraz), quanto do marido, Marcos (Emílio de Mello), que chega a explicitar sua angústia de modo direto, afirmando sair de casa sem dar satisfações por não aguentar mais o incômodo silêncio durante as refeições. Uma sensação externada também pela pequena Mariana em sua precoce hipocondria, talvez um meio de chamar a atenção dos pais.

A exteriorização de sentimentos reprimidos inclui também Guilherme (Daniel Rangel), amigo de Diogo que se deixa levar pela atração, até então oculta, que sente pelo protagonista, posteriormente tentando abrandar o ocorrido como “Apenas uma zoação”. Assim, Sholl cerca o conflito tabu – a diferença de idade no envolvimento amoroso – de diversas outras situações com potencial para enriquecê-lo, mas que terminam desprendidas do mesmo, sendo superficialmente desenvolvidas. O diretor/roteirista, que se mostra menos inspirado ao tratar de temas vistos em seus trabalhos anteriores, como o universo da classe média e suas mazelas existenciais, exposto em Campo Grande, oferece resoluções vulneráveis, sem o devido tempo de maturação para gerarem impacto. Algo sentido na própria gênese do relacionamento entre Ângela e Diogo, com ela relevando de imediato as consequências graves da atitude do garoto, e abandonando também a possibilidade da criação de tensão entre os dois, limitada a uma única cena de provocação, para rapidamente se entregarem ao desejo.

O mesmo ocorre com a reação de Diogo à atitude de Guilherme, que supostamente deveria gerar mais questionamentos da parte do protagonista, mas que é rapidamente assimilada. Essa condução de Sholl faz com que os confrontos careçam de peso, como aquele entre a mãe e a amante, que vem numa sequência carregada de leituras psicológicas previsíveis e expostas didaticamente – Ângela buscando na figura de Diogo uma compensação para o filho que nunca teve, bem como para suas relações passadas problemáticas, o menino vendo na mulher mais velha algo de figura materna, vide o plano em que deita a cabeça sobre o colo de Ângela como fizera no de Clarice, ou a paciente acusando a terapeuta de não conhecer, de fato, seu filho. Falta a esses embates a mesma intensidade que emana da paixão, da volúpia, do controverso casal, registrada de modo graficamente comedido, mas sem que se perca sua força.

Muito graças ao talento, e à boa direção, de seu elenco – Denise Fraga com a segurança e competência habituais, Karine Teles em uma entrega louvável, buscando imprimir o máximo de complexidade à personagem, e Tom Karabachian demonstrando grande desenvoltura e naturalidade, transmitindo uma inocência genuína a Diogo – Sholl consegue criar momentos belos e delicados, como o plano no rosto de Ângela enquanto essa ouve a canção criada pelo jovem, ou na dinâmica envolta em ternura entre o garoto e sua irmã. Ao final, contudo, Fala Comigo deixa a sensação um pouco frustrante de ser uma obra composta de incompletudes. Não por evitar conclusões concretas e julgamentos definitivos, apresentando um discurso livre que caminha na linha do “amor verdadeiro é capaz de se sobrepor às barreiras impostas pelas convenções da sociedade”. Mas sim por conter brechas narrativas pelas quais parte de seu potencial dramático se dissipa e que deixam à vista, com mais clareza, suas fragilidades.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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