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Sinopse

Na Síria, Faustine se vê numa situação muito adversa na companhia de seu filho de cinco anos. Em Paris, dois jovens ativistas se comovem com o desespero do marido dela. Eles montam uma operação arriscada de resgate.

Crítica

Estreando na direção de longas de ficção, o francês Emmanuel Hamon ainda carrega algo de sua trajetória anterior como documentarista ao escolher trazer para as telas a dramatização de um episódio real, ocorrido em 2015. Em Resgate de Alto Risco, Hamon divide sua narrativa entre quatro personagens principais que acabam conectados pelas circunstâncias. Dois destes são apresentados na sequência inicial, o enfermeiro Sylvain (Swann Arlaud) e sua esposa Faustine (Jisca Kalvanda), figura que se revela a responsável por, de fato, desencadear a trama, ao partir com o filho de cinco anos do casal em uma viagem à Turquia para, supostamente, encontrar uma amiga que realiza trabalhos humanitários para uma ONG. Não demora muito, porém, para que Sylvain descubra que o real destino de sua companheira, muçulmana recém-convertida, é a Síria, onde acaba recebida por integrantes do EI a quem trata como membros distantes de sua família.

Ao tomar conhecimento da verdade, Sylvain inicia uma jornada desesperada para ter ao menos seu filho de volta, esbarrando no impasse burocrático do governo francês, que decide não correr o risco de uma missão oficial de resgate. O enfermeiro, então, recorre ao auxílio de seu chefe, o cirurgião Patrice (Charles Berling), cujo filho, Gabriel (Finnegan Oldfield), jovem jornalista e idealista, está justamente cobrindo os conflitos no Oriente Médio. Gabriel, a terceira figura central, se depara, então, com o quarto e último protagonista, o revolucionário sírio Adnan (Kassem Al Khoja), que após um período vivendo em cativeiro, e sob tortura, busca asilo político na França. Ambos conseguem desembarcar em Paris, com o refugiado em situação ilegal, e juntos de Sylvain iniciam uma arriscada operação de resgate independente.

A princípio, Hamon busca apresentar um panorama sociopolítico geral e didático para deixar claro ao espectador onde cada um de seus personagens está inserido. Contudo, o diretor realiza tal apresentação se distanciando de suas raízes documentais, não se aprofundando verdadeiramente nas questões mais pulsantes que envolvem o contexto, optando conscientemente por jogar com as ferramentas da ficção e com o potencial mais puro para a exploração de gênero – do drama ao suspense. Uma abordagem que nada tem de inválida, mas que, em seu desenvolvimento pelas mãos de Hamon, acaba deixando de lado quase por completo a construção dos personagens, que resultam meramente funcionais, sendo levados pelos acontecimentos sem grande resistência. Dando muito mais atenção aos meandros da elaboração e à colocação em prática do plano imaginado por Gabriel e Adnan para resgatar Faustine e filho, o lado humano da história, as motivações dos protagonistas, ficam relegadas à concepção mais básica, com muitas possibilidades de adicionar camadas a estes ficando apenas na sugestão.

É o caso do conflito paternal/geracional entre o impetuoso Gabriel e o pai, do conflito de classes/cultural entre a família francesa abastada e o refugiado sírio, ou mesmo o conflito interno desse último, dividido entre continuar sua luta e o desejo da fuga da violência, que significaria o abandono da pátria que já não mais reconhece seu antigo lar. Mas é mesmo a construção de Faustine a mais inconsistente, tornando-a o elo mais fraco do quarteto principal. Hamon nunca deixa clara a motivação que leva a personagem a abandonar o marido e a colocar em risco a vida do filho. Enquanto a possibilidade do fanatismo religioso de sua parte é logo descartada, o intuito humanitário de ajudar as mulheres sírias que sofrem nas condições precárias dos hospitais de Raqqa ou um possível desejo de reconexão com suas raízes surgem como pretextos muito mal trabalhados, assim como seu inevitável arrependimento.

Essa inconsistência acaba prejudicando também a própria figura de Sylvain, que fica restrita ao seu drama – obviamente compreensivo – mas sem qualquer construção como indivíduo, exposição de traços de personalidade ou de outros conflitos – salvo a sugestão de um abalo na relação com Faustine que se perde logo na primeira cena. Assim, Resgate de Alto Risco só ganha de fato alguma força no ato final, quando se atém ao seu potencial para o thriller, gerando alguns momentos de genuína tensão. A condução de Hamon se mostra convencional, mas efetiva, ainda que ancorada na necessidade da suspensão de descrença em diversas passagens que apresentam simplificações e improbabilidades, do artifício utilizado para trazer Adnan à França até o espaço ínfimo de tempo no qual o plano de resgate é organizado.

Desta forma, temos um produto que ao se abster quase totalmente de debater questões mais profundas ou de fazer denúncias – as poucas que são levantadas vem moldadas pelos clichês e pela tentativa do choque, a cena das crianças assistindo aos vídeos de doutrinação do EI ou na violência crua da sequência do bar próxima ao desfecho – resulta por demais inofensivo para transmitir a gravidade de seu contexto, apostando no exercício de gênero que funciona esporadicamente, mas sem a potência ou a personalidade própria para se tornar realmente marcante como tal.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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