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Sinopse

Madalena vive no Vale no Paraíba, onde nos anos 1930 grande propriedades cafeeiras faliram, transformando as cidades abastadas quase em localidades fantasmas. Ela se encontra presa à memória do marido sepultado no cemitério da cidade. Uma jovem fotógrafa chega à cidade e modifica o cotidiano do lugarejo.

Crítica

Histórias que só existem quando lembradas é a estreia de Julia Murat nos filmes de ficção, convidando o espectador a conhecer uma localidade perdida no interior do Brasil. Um lugar onde os habitantes, todos idosos, percorrem os mesmos caminhos, passam pela mesma rotina, dividem as refeições e a comunhão na decrépita igreja do vilarejo. É lá que encontramos a teimosa padeira Madalena (Sonia Guedes) e seu amigo, o não menos cabeça-dura Antonio (Luiz Serra), dono do armazém do lugar. Os dois passam pelo mesmo ritual diário, conversam sobre as mesmas coisas e chegam às mesmas conclusões de outrora. Isso até aparecer uma jovem andarilha, uma curiosa fotógrafa, que coloca aquela vila e seus habitantes em estado de alerta.

O roteiro de Histórias que só existem quando lembradas é de Julia Murat, Maria Clara Escobar e Felipe Sholl e se concentra, num primeiro momento, em nos mostrar a rotina daquela região, a vagareza dos habitantes, os costumes enraizados naquela gente. Passado isso, conhecemos Rita (Lisa E. Fávero), a fotógrafa, que chega pedindo pouso à Madalena – prometendo que ficaria ali por apenas uns dias. Uma relação de estranheza inicial surge, logo substituída por um respeito mútuo. Rita tira fotos do local e se mostra curiosa com os costumes daquele povo. Os habitantes da vila, por sua vez, a veem com certa hostilidade de início, mas logo se acostumam com aquela nova presença. A principal curiosidade de Rita é visitar o velho cemitério que, não se sabe por que, permanece sempre fechado. Logo, a jovem fotógrafa descobrirá o real motivo.

A temática da morte e da passagem do tempo são caras ao roteiro. Madalena, por exemplo, não vive sem lembrar-se do falecido marido, se dando ao trabalho de lhe escrever cartas que, óbvio, nunca serão entregues. Tudo levaria a crer que Madalena conta os minutos para que sua própria morte a leve para junto de seu amado Guilherme. No entanto, o passar do tempo e sua vida naquele vilarejo lhe mostram que o seu final pode estar muito longe. O contraste entre a juventude de Rita e o cansaço de Madalena é tocado pelo roteiro, que coloca aquelas duas mulheres dentro da mesma casa, apresentando alguns choques de geração.

O filme é bastante lento ao apresentar suas ideias, mas foi realizado deliberadamente desta forma. De que jeito teríamos a sensação do tempo morto em que vivem aqueles personagens não sendo em uma narrativa mais pausada? É bem verdade que o plot caberia em um curta-metragem. Mas se fosse o caso, não teríamos a mesma impressão daquela pasmaceira em um trabalho mais curto. Rita não demoraria para conquistar os habitantes daquela vila e não teríamos o mesmo sentimento de solidão que aqueles minutos silenciosos nos transmitem. É crucial para a narrativa de Histórias que só existem quando lembradas este tempo ao tempo dado por Julia Murat, para que as peças se encaixem de forma correta e coerente com a proposta.

Firmemente situado no gênero do realismo fantástico, bucólico e reflexivo, o longa-metragem de Julia Murat é um interessante primeiro trabalho de ficção da cineasta – profissional que deve ter aprendido alguma coisa ou outra com sua mãe, a excelente diretora Lucia Murat. Filme de fôlego, mas que, como já falado, requer uma paciência maior do espectador devido a lentidão da narrativa, Histórias que só existem quando lembradas pode até demorar para revelar seus segredos. Mas quando eles são descobertos, a trama faz com que o tempo investido tenha valido a pena.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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