Sinopse
Último habitante da Terra, Epirenov caminha pelo planeta em busca de peças para construir um parceiro. Numa dessas suas perambulações por uma terra arrasada, descobre um artefato que mudará o mundo.
Crítica
A solidão é recorrente nas histórias pós-apocalípticas. Nesse tipo de narrativa, são comuns os personagens que vagueiam sozinhos, sem eira nem beira, pela Terra arrasada por cataclismos. Epirenov radicaliza essa sensação de isolamento forçado, pois não coloca alguém em processo de encontrar outrem no fim das contas. O protagonista desta animação argentina feita em stop motion tem ao seu lado apenas um fiel escudeiro igualmente metálico, mas de biotipo não humanoide. E o pequeno funciona como um bichinho de estimação insuficiente. A bela cenografia cria uma paisagem inóspita e poeirenta para essa história marcada pelo desespero de saber-se completamente isolado. Personagens e cenários foram criados com material reciclável para acentuar o tom distópico. O que vemos é Epirenov transitando pelas redondezas em busca de algo que o possibilite terminar um projeto especial: ele está construindo um parceiro, mas não encontra as engrenagens necessárias para dar vida ao amontoado. O desejo de animar o inanimado contém a alusão a Frankenstein.
Epirenov é um curta-metragem sem palavras, mas nem por isso silencioso. O cineasta Alejandro Ariel Martin busca na tradição do cinema mudo uma capacidade expressiva de contar enredos basicamente por meio de imagens, mas também sabe utilizar a pesarosa trilha sonora e os ruídos para melhor desenhar essa realidade. Ainda que estejamos diante de um protagonista feito de sucata, com apenas um olho, ele possui uma eloquência que passa pela precisão de seus movimentos. Arte tão tradicional quanto negligenciada desde que o som foi incorporado aos filmes, a pantomima aqui é vital à expressão minuciosa da tristeza que impulsiona as ações do robô. Para ele não basta a companhia praticamente canina. Ele precisa de uma criatura com quem se identificar. Isso não é dito, mas demonstrado principalmente nos instantes em que Epirenov ultrapassa determinadas barreiras (éticas e emocionais) para atingir seu objetivo. O andamento é singelo, mas cada gesto traz uma carga bem dosada. Os detalhes tornam bonito esse esforço de artesania de animar quadro a quadro.
Um movimento que ajuda a compreensão das motivações de Epirenov é a vitrola improvisada. O robô coloca não um disco para tocar, mas uma pedra circular. Em contato com o pedaço de metal que faz às vezes de agulha, o artefato produz apenas o estridente chiado do atrito. Por que o protagonista faz isso, se não há indícios de extrair prazer do som gerado pela geringonça? A importância está na simulação da experiência humana, estritamente no ato de sentar-se no meio de uma casa (aqui, caindo aos pedaços) e simplesmente representar o que aos humanos traz inúmeras sensações. Nesse sentido, a busca desenfreada por algo que aplaque as feridas da solidão pode passar pela mesma intenção. Mesmo que não seja criado perfeitamente à imagem e semelhança humana, esse ermitão é um bípede formatado como uma espécie de mimese da raça que não mais parece existir no planeta. Será que ele arremeda o que é essencialmente mundano, inclusive a busca desesperada pelo que torne menos dolorosas as feridas existenciais, como que para preservar as experiências?
Em pouco menos de 15 minutos, Alejandro Ariel Martin fala sobre solidão e abdicação de uma forma bonita, mas também pesarosa. É possível traçar paralelos com Wall-E (2008), a começar pelo seguidor robô-canino parecido com o protagonista da obra-prima dos estúdios Disney/Pixar. Outro aspecto que aproxima as produções, no mais separadas por inúmeras coisas – entre elas a duração, os recursos práticos à disposição e a diferença astronômica de orçamento – é a persistência robótica no apocalipse. No longa norte-americano, apenas mais tarde sabemos da existência humana no espaço, pois o planeta azul se tornou inabitável. No curta argentino não há sequer menção ao que pode ter acontecido com as pessoas. Elas ainda existem? Tanto Wall-E quanto Epirenov assimilam características da espécie feita de carne e osso. É um processo de antropomorfização que perece evolutivo. E nele, o sul-americano reproduz também a dimensão trágica.
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