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Sinopse

Em São Paulo, em 1980, o jovem operário Tião e sua namorada Maria decidem se casar ao saber que a moça está grávida. Ao mesmo tempo, eclode um movimento grevista que divide a categoria metalúrgica. Preocupado com o casamento e temendo perder o emprego, Tião fura a greve, entrando em conflito com o pai, Otávio, um velho militante sindical que passou três anos na cadeia durante o regime militar.

Crítica

Em 1981, a Ditadura Brasileira dava sinais de estar em seus últimos momentos. A extinção do Ato Institucional 5, três anos antes, devolvia lentamente ao país a perspectiva de que um horizonte diferente era possível. Nas mãos de Leon Hirszman, nome conhecido do Cinema Novo, a esperança assumiu a forma de homenagem. Adaptação da peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri para o Teatro de Arena, em 1958, Eles Não Usam Black-Tie assume a função de demografia premonitória da confusa reorganização social pré-democrática brasileira, e assegura ao diretor o posto definitivo entre os maiores nomes do cinema nacional.

Tião (Carlos Alberto Riccelli) e Maria (Bete Mendes) são um jovem casal que tem de encarar o susto da gravidez inesperada. A notícia chega logo nas cenas iniciais, nas quais já é possível identificar o traço estético mais agudo do diretor: a busca pela plasticidade do trivial. A dura novidade surge acompanhada pela fotografia irretocável de Lauro Escorel e de trilha sonora. Sob o símbolo da chuva torrencial, a atmosfera dúbia da anunciação marcará todo o longa, posicionando Tião e Maria em um local ingrato no enredo. Enquanto futuros pais, ela presencia o próprio pai definhar pelo desemprego e alcoolismo; ele, por sua vez, diverge das posições de Otávio (Gianfrancesco Guarnieri), que está afastado do filho, mas cuja reconciliação se dará somente diante da paternidade de Tião.

Os tempos são outros, enfatiza Otávio ao discursar sobre os rumos do sindicato. Representantes da transição do Brasil em direção aos novos tempos, Tião e Maria têm de caminhar na corda bamba do presente com a missão de adivinhar o que lhes espera. Certamente, não será a vida limitada, conhecida desde o nascimento. O anseio geral é pelo espírito libertário e igualitário da democracia, mas esta parece tão próxima quanto distante – ainda incerta. Menos apenas do que o futuro do casal dos protagonistas, cada vez mais instável a partir da gravidez.

Ícone menor – por publicidade, não por qualidade – do Cinema Novo, Hirszman consegue criar dois planos paralelos em Eles Não Usam Black-Tie. Ao mesmo tempo em que o drama de Tião e Maria funciona como porta de entrada para as questões sociais e políticas de um país em ebulição, a relação embrionária do casal objetifica a esperança e a incerteza. Se no terrenos dos homens os embates ficam por apoiar ou não a greve dos operários, no plano das ideias o que surge é a expectativa de um rompimento com a realidade passada.

Dono de três troféus no Festival de Veneza – inclusive com o Prêmio Especial do Júri e como Melhor Filme pela Crítica – Eles Não Usam Black-Tie se configura como uma aventura político-idealista que desvia dos recursos histriônicos e baratos da propaganda ideológica, comum em estéticas de denúncia como Cinema Novo e Neorrealismo, e assume um projeto de qualidades dramatúrgicas sóbrias. As tensões presentes resultam em um filme que conjuga visão crítica sem incorrer em alardes, proporcionando uma reflexão no âmbito de como as transformações sociais e políticas operam redimensionando a realidade de cada um de nós.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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