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Sinopse

Guima, um jovem poeta burguês, tenta interagir com a cidade, fazer parte dela, mas parece não ter corpo para isso. É o verão mais caloroso dos últimos 50 anos e os raios "ultraviolentos" estão por toda parte. O Sol é a metáfora maior de um sistema violento que adormece e agride a todos. A sociedade, a família, amigos e amores se deformam com o calor. Guima parece despertado, e o primeiro a sentir os malefícios da exposição a "ultraviolência" solar.

Crítica

Nós não temos inverno”, ressalta o homem que conserta ar-condicionado. Ele, o único herói possível para o enredo de Tropykaos, longa de Daniel Lisboa, cineasta estreante no formato. Situado em uma Salvador estilizada, local em que o calor assume o protagonismo a maltratar o personagem de Guilherme. Este, mais conhecido por Guima (Gabriel Pardal), é um poeta que prepara o novo livro para breve, mas o trabalho intelectual está à mercê do calor, que o impede de criar.

Tropykaos, assim mesmo, escrito em fonte pop e com a grafia glauberiana de ípsilon e cá, constrói um mundo envolto e ao alcance das sensações do protagonista. O calor externo é o leitmotiv a simular o desconforto do jovem. Nesse contexto, a fotografia de Pedro Urano trabalha a fim de dar o máximo de claustrofobia a cada plano, seja ao evitar os movimentos de câmera, impedindo com isso a sensação de ventilação, seja pela concentração das imagens, que muitas vezes estão focadas exclusivamente em rostos, corpos, estátuas, no acarajé fritando, no carnaval - quando não no sol, transformado em astro do inferno na terra.

O roteiro assinado pelo diretor em parceria com Guilherme Sarmiento inicia no registro de um realismo trivial e acompanha Guima em direção a uma espécie de alucinação. À medida que vamos conhecendo o personagem, a sua necessidade de criar poesia e entregá-la no prazo, a ansiedade diante da apresentação que lhe propõe, vamos adentrando em camadas que interior e exterior se interpolam.

Se por um lado, a direção de Lisboa consegue dar conta de sincronizar os elementos necessários parar representar cinematograficamente o crescimento da asfixia psicológica, por outro, há um viés de comicidade involuntário, surgido de maneira secundária. O ar-condicionado deixa de ser um objeto necessário e passa a ser uma metáfora. Mas é quando o elemento se torna recorrente a ponto de sugerir uma comicidade rápida, de humor barato, que o filme oscila diante da falta de estabilidade. Fora do plano psicológico, alguns núcleos nascem, mas são pouco alimentados. A relação com o amigo viciado em drogas e mesmo com a namorada não se desenvolvem para além do superficial. O mesmo acontece com determinadas discussões, que surgem sugerindo aprofundamento - como é o caso do financiamento artístico pelo Estado - e são esquecidas diante da força do percurso invariável de Guima.

Com um protagonista adoentado pelo calor - afetado por esse fenômeno metafórico, que resulta em um sentimento de não pertencimento e na criação de igrejas libertadores do novo mal - Tropykaos é uma proposta muito interessante, em que a fantasia do protagonista, realizada de forma competente, limita-se aqui e ali quando procura expandir e explorar as consequências de um mundo enfermo.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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