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Sinopse

Aleksei chega a Paris e se vê obrigado a se juntar à Legião Estrangeira depois de uma viagem traumática pela Europa. Por sua vez, Jomo se depara com a agressividade das petrolíferas em sua aldeia no Níger.

Crítica

Quem é e o que busca para si o Disco Boy? Uma vida de festa e alegrias, ou apenas a fuga de uma realidade miserável e angustiante? As duas possibilidades estão em cena no longa escrito e dirigido pelo cineasta italiano Giacomo Abbruzzese nesta que é a sua estreia num formato mais longo. Com diversos curtas e médias no currículo, havia sido indicado ao César – o ‘Oscar’ francês – por um dos seus trabalhos anteriores, America (2020), e faz dessa produção mais recente uma verdadeira realização europeia: a despeito de sua própria nacionalidade, a trama se passa em Paris, enquanto o protagonista é o astro alemão cada vez mais em ascensão Franz Rogowski. Como Aleksei, um jovem polonês que atravessou o continente em busca de uma melhor oportunidade de vida, ele é tanto esperança quanto desespero, chegada e partida, fazendo dessa uma jornada que tanto serve para ilustrar um caminho sofrido, porém ordinário, como também indício de um drama maior, reflexo de um contexto social ao mesmo tempo amplo e excludente.

Essa leitura só é possível pois Aleksei não está sozinho. Como seu reflexo no espelho, Jomo (o novato – e impressionante – Morr Ndiaye) é líder de um movimento revolucionário pela independência do Delta do Rio Níger, na Nigéria, região densamente povoada e em constante disputa por causa da extração do óleo de palma. Quase uma Veneza africana, suas ligações são feitas majoritariamente por embarcações fluviais, o que permite aos locais um conhecimento territorial que os coloca em proteção contra ataques externos. Por isso, as manifestações de protesto e ativismo político acabam ganhando força, pela extensão de sua influência e pela continuidade de suas ações. Quando a Legião Estrangeira – ramo do exército francês – é chamada para ajudar nesse combate, os dois rapazes são colocados frente a frente. E assim, aquilo que para um é mero acaso, para o outro se mostrará uma missão de vida. O entendimento do que ambos buscam fará deles tanto irmãos quanto inimigos.

Isso se dá dessa forma, pois Aleksei, ao chegar na França, é preso e recebe duas opções: ser mandado de volta ou cumprir suas obrigações com essa nova pátria que se dispõe e recebê-lo. A exigência é o serviço obrigatório por um período de cinco anos, durante os quais atuará como mão-de-obra militar. Não é o que buscava, mas se retornar para onde a esperança inexiste nem chega a ser cogitado, o único caminho viável é ir em frente e suportar os desafios conforme esses irão se apresentando. Afinal, esse trajeto desesperado em busca de uma nova vida teve sua cota de tragédia, uma da qual não se consegue esquecer facilmente. Jomo, da mesma forma, sabe pelo que está lutando e o quão longe foi. Essa busca tanto o leva perto de alcançar seus objetivos, como o afasta de uma suposta, até mesmo ilusória, tranquilidade e segurança. A partir do momento em que decide não mais esconder o rosto, se torna a face de uma temida, ainda que almejada, revolução. Cada um, de uma forma ou de outra, está lutando por si e pelos seus. É o indivíduo que fala e se movimenta, por mais que o coletivo esteja junto. Assim, quando colocados um diante do outro, é a si mesmos que se verão obrigados a enfrentar.

Uma noite de festa, bebidas, música e boas companhias pode transformar a vida de uma pessoa para sempre. Mas se esses são elementos até mesmo banais, já esperados em uma situação como a que se apresenta, estará no palco o diferencial capaz de seduzir e hipnotizar. Quando Aleksei coloca seus olhos sobre o corpo e jeito de ser de Udoka (Laetitia Ky, de Noite de Reis, 2020), se perde de si e se abandona na possibilidade de com ela estar. O encantamento irá perdurar, esquecendo do que os circunda e das obrigações às quais aceitou se submeter, e pela oportunidade de mais uma vez estar com ela se mostra disposto a tudo. O encontro de um rapaz com uma garota deveria ser algo simples, corriqueiro até, mas o mundo não permite frivolidades como essa sem cobrar o devido preço. Udoka é irmã de Jomo, e o compromisso que tem com um estará para sempre entre ela e o mundo. São, enfim, frutos de onde vieram e do que foram capazes de se tornar. Tanto o soldado branco, quanto o guerrilheiro negro, o que os une é a capacidade de sobreviver e perdurar, muito além de qualquer prognóstico.

Você já pensou no que poderia ter se tornado caso tivesse nascido no lado de lá do rio?”, pergunta o irmão. Se ela sonha com coisas simples, como uma realidade urbana e contemporânea, o sonho dele é mais imediato: “pois eu seria um disco boy”. Subir numa plataforma e se deixar levar pelo ritmo da música e de todos aqueles corpos dançantes ao seu redor pode pouco significar aos que veem de longe, mas é esse êxtase e capacidade de entrega o mais próximo que alguém se verá dos seus sonhos. Uma escolha simples, como a determinação de uma fronteira ou com quem aliar seus esforços durante uma batalha, é quase tão gratuita quanto determinante daquilo que virá a acontecer depois. Disco Boy: Choque Entre Mundos se mostra atento às origens de seus personagens, mas não está preso a elas ao propor sua discussão. É no vislumbre de um futuro tão perturbador quanto estimulante que abriga sua força, potencial esse reforçado pelas atuações viscerais de seus protagonistas. Rogowski e Ndiaye podem ser tão distintos entre si quanto as figuras que interpretam, mas em cena se mostram absortos em um mergulho sem amparo, do qual somente o acender das luzes poderá libertar, tanto na ficção quanto junto aos que, absortos na audiência, se deixarem levar por tamanha entrega.

Filme visto no 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2023

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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