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Sinopse

Solitários, frustrados e incapazes de realizar qualquer coisa que dê sentido às suas vidas, Vladimir, Clivia, Regina e Primo armam um plano absurdo: sequestrar um milionário. Porém, o quarteto não tem nenhuma experiência com crimes e nem noção do que essa operação pode envolver. Enquanto tomam as providências práticas, revelam-se seus medos e ambições.

Crítica

Filmes sobre bandidos planejando – e, eventualmente, executando – grandes golpes são tão frequentes que podem até ser considerados um subgênero à parte. Já o olhar para as classes desfavorecidas da população brasileira é também uma constante, na maior parte das vezes visões estilizadas, proporcionadas por cineastas abastados que pouco ou nenhum contato jamais tiveram com essas comunidades às quais se dedicam em obras ficcionais. Pois é esse encontro um tanto desajeitado que é possível verificar em Como é Cruel Viver Assim, mais uma tentativa da diretora Julia Rezende em fugir das comédias românticas populares que marcaram o início de sua carreira, como Meu Passado me Condena (2013) e Um Namorado para Minha Mulher (2016).

Ainda que esse último seja inegavelmente superior àquele mais antigo, o grande trabalho de Julia até o momento segue sendo o drama agridoce Ponte Aérea (2015), sobre os desencontros de dois namorados que moravam entre Rio de Janeiro e São Paulo. Este é também, ao menos até o momento, o seu filme de menor repercussão. Posto que Como é Cruel Viver Assim parece estar disposto a ocupar. Pela primeira vez deixando de lado – mas não muito, é bom reforçar – as questões do coração, ela se aventura na história de quatro pessoas dispostas a infringirem a lei para, somente assim, mudarem suas vidas. Regina (Débora Lamm) é o estopim, a cuidadora de crianças que convence a amiga Clívia (Fabiúla Nascimento) e o companheiro dessa, Vladimir (Marcelo Valle), a sequestrarem seu antigo patrão. Para tanto, acaba se juntando ao grupo Primo (Silvio Guindane). Tipos completamente despreparados que nunca fizeram nada por si, e que agora, juntos, elevarão as possibilidades de suas intenções saírem completamente frustradas.

Se já é complicado lidar com estes protagonistas – é difícil apontar o mais inverossímil, mas entre a piranha de Lamm e o lesado de Guindane, curiosamente a aposta recairia sobre a mulher de trejeitos infantis vivida por uma geralmente competente Nascimento, que aqui entrega uma das suas mais infelizes composições. Chama atenção neste mesmo imbróglio que o melhor seja justamente o azarado elaborado por Marcelo Valle, neste que é, provavelmente, seu primeiro protagonista na tela grande – uma aposta que, ao menos aqui, resultou acertada. Mas eles não estão sozinhos, e ao redor deles há uma trupe de coadjuvantes, um mais absurdo que o outro. Paulo Miklos é o malandro que decide ensiná-los como criminosos se comportam – e a paciência dele com a incompetência dos demais parece não ter fim. Zezeh Barbosa é a mãe coruja que trata o filho como criança, enquanto que Milhem Cortaz é o ex-namorado assaltante disposto a proteger o homem que tomou sua mulher em nome de uma paixão que não mais existe. Mas nada é pior do que Otávio Augusto dando uma de poderoso chefão sentado em uma banheira cortada – era para ser engraçado, mas tudo que consegue emular é constrangimento e espanto.

Mas se os personagens são problemáticos, percebe-se o esforço do elenco em torná-los ao menos compreensíveis em suas motivações. É uma dedicação vã, pois encontra-se envolta por um texto que em nada os ajuda. O roteiro de Fernando Ceylão (o mesmo de É Fada, 2016, o que já diz bastante) deixa claro estar desinteressado pelos rumos de seus personagens, contentando-se apenas em vê-los reunidos. E assim ficam indo de um lado a outro, ocupados com pormenores insignificantes – uma parada na delegacia, um flashback do primeiro encontro, um tiro ao alvo sem nenhum efeito prático, uma conversa no banco da praça – apenas para disfarçar a espera por algo que dificilmente acontecerá. Tem-se, portanto, um Esperando Godot que nunca acontece e nada acrescenta, que se dá por satisfeito mais em registrar a mediocridade dos envolvidos do que em revelar suas fragilidades em ação.

Desprezando questões de inegável relevância – como abuso familiar, violência em casa e traições conjugais – Julia Rezende chega sem grandes surpresas ao final de Como é Cruel Viver Assim esperando provocar algum tipo de reação, ainda que entregue justamente aquilo pelo qual todo mundo já havia antecipado: a confirmação de uma incompetência anunciada. É válido qualquer motivação para escapar de zonas de conforto, mas o mérito não está apenas em ir além do esperado, mas, sim, em alcançar este espaço com destreza e habilidade – o que parece em falta neste conjunto. Desta forma, são muitas as possibilidades pelos quais o cenário aqui desenhado poderia ter se encaminhado. Ao invés disso, na tentativa de capturar o descaso dos que sofrem, tudo que alcança é a inércia dos despreparados, justamente aqueles que, por tanto esperarem, nada alcançam. E entre uma comédia de costumes ou um retrato social, o que se tem é um pastiche sem graça e repleto de obviedades que pouco contribui sobre o tema ao qual se debruça.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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