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Crítica

Longe do universo lírico que permeou as fantasias de Minutos Atrás (2013) e Por Trás do Céu (2016), o diretor e roteirista Caio Sóh volta em Canastra Suja, seu quarto longa-metragem como realizador, a um ambiente mais realista, tal qual foi visto no seu trabalho de estreia, Teus Olhos Meus (2011). Porém, ainda que alguns elementos sejam recorrentes – como a estrutura familiar, os diálogos repletos de não-ditos e a presença da sexualidade como força-motor dos principais desdobramentos da trama – dessa vez ele assume um discurso que combina com cuidado o melhor de cada uma das estruturas por ele exploradas anteriormente. O resultado, se não soa estranho àqueles que vem acompanhando sua trajetória, por outro lado se apresenta como uma concepção que presta tributo a alguns dos melhores momentos da filmografia nacional.

Logo em uma das primeiras cenas, Maria (Adriana Esteves) espera, acompanhada pelos filhos – Pedro (Pedro Nercessian), Emilia (Bianca Bin) e Rita (Cacá Ottoni) – o marido, Batista (Marco Ricca), que está em sua primeira reunião dos Alcoólicos Anônimos. O garoto não aguenta mais a demora, e decide ir embora, apesar dos protestos maternos. Tem-se, como se percebe, uma família rachada, prestes a se desfazer por completo. Eles deveriam estar juntos para apoiar aquele homem decidido a recomeçar. Mas há problemas mais urgentes. Como a filha dividida entre o namorado marombado e o patrão casado com quem tem um caso, a caçula doente, o rapaz desempregado que tem vergonha do pai, ou a esposa viciada em suplementos energéticos e em exercícios físicos. “Você parece mais forte do que eu, o que fica fazendo quando saio para trabalhar?”, o companheiro lhe pergunta, à noite, antes de dormir. E assim fica, sem receber uma resposta convicta. Ali, todos gritam, mas ninguém fala.

Caio Sóh levanta questões pertinentes, colocando-as sobre a mesa, à vista de todos. E se algumas ganham o devido aprofundamento, outras ganham uma abordagem mais branda. Batista atua como manobrista em um edifício de luxo, e leva o filho para trabalhar com ele. De um morador que surta ao ver o novo empregado usando o elevador social ao aparelho celular que desaparece de dentro de um dos carros estacionados, tudo é extremo, levado sempre ao limite. Cada um destes indivíduos age por impulso, como se a reflexão já tivesse sido descartada há tempos. A crítica social se espalha também no trato dos jovens que decidem levantar uma grana agindo como michês. “Esses velhos ricos vivem nos fodendo lá fora, mas aqui dentro são eles que querem ser fodidos. Eu vou lá e faço a minha parte, comendo os cus deles e depenando os trouxas”, afirma o veterano. Mas o dinheiro ‘fácil’ não é tão simples, e aquela que deveria ser uma porta da salvação pode levar a problemas ainda maiores.

Se o roteiro demonstra um certo desequilíbrio entre explorar todos os contextos apontados – há também a questão da violência familiar, esta permeando quase todos os dramas particulares – Canastra Suja ganha pontos pela excelência do elenco. Bianca Bin, estreando na tela grande, e Pedro Nercessian – sobrinho, e não filho, de Stepan Nercessian – entregam, ao mesmo tempo, delicadeza, sedução, raiva e insegurança ao conjunto. Mas será nos protagonistas Adriana Esteves e Marco Ricca que o filme irá se diferenciar de verdade. Os dois, que já foram casados na vida real, entregam algumas das melhores performances de suas carreiras. Maria é uma mulher-elástica, sempre se esticando para atender aos seus, lutando para mantê-los unidos, ao mesmo tempo em que se esforça para preservar seus próprios segredos. Já Batista é a imagem do homem derrotado, o valente que não mais tem voz, vencido pela vida e por si mesmo. A entrega de ambos a cada um destes personagens impressiona pelo desprendimento e vigor.

Bebendo diretamente na fonte de Nelson Rodrigues, Caio Sóh oferece um subúrbio distante das imagens de cartão-postal geralmente vendidas pelo cinema nacional. Isso oferece à Canastra Suja uma concentração poderosa, pois reforça a ideia de estarem todos, cada um a seu modo, prestes a explodirem, confinados em um mesmo espaço que tanto pode ser físico – a casa onde mal cabem – como psicológico, com os traumas e as angústias que os prendem e afastam. A divisão de capítulos, por fim, é bem empregada, pois faz uso das cartas do baralho: o rei, a dama, o valete de paus, e assim por diante. Mas e o coringa, onde está? Este pode ser qualquer um, como também nenhum deles. Basta, apenas, se apresentar no momento e na hora certa – ou não. Afinal, quando só há mais uma cartada a ser feita, qualquer resultado pode ser considerado positivo, desde que sobreviva até o final do jogo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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