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Sinopse

Evan é um pai de família dedicado, que durante um final de semana inteiro vai ter a casa só para si, já que a esposa e os filhos estarão viajando. Isso até que duas garotas provocativas aparecem na sua porta em meio a um temporal, pedindo ajuda. Como forma de agradecimento, eles o seduzem e o levam pra cama. Passada a noite, coisas estranhas começam a acontecer, até que as duas figuras voltam a surgir em cena como duas psicopatas dispostas a propor um jogo doentio com Evan.

Crítica

Perdido entre o megaestrelato alcançado por Matrix (1999) – e nunca mais repetido – e produções genéricas como A Casa do Lago (2006) – que valeu apenas por retomar sua parceria com Sandra Bullock – ou a refilmagem esquecível de O Dia em que a Terra Parou (2008), Keanu Reeves chegou aos cinquenta anos com um forte questionamento a respeito de sua relevância na Hollywood de hoje. E se nem a paixão pelo Oriente – manifestada nas aventuras O Homem do Tai Chi (2013) e 47 Ronins (2013) – ou o regresso ao gênero policial que lhe é confortável – como no eficiente, porém pouco visto, De Volta ao Jogo (2014) – lhe ofereceu o efeito esperado, a impressão agora é que chegou o momento de apelar para o radicalismo e tentar algo nunca por ele explorado antes. Só assim para explicar sua associação ao diretor trash Eli Roth no thriller Bata Antes de Entrar, filme que acaba se revelando uma experiência frustrante tanto para os fãs do astro quanto para os admiradores do estilo peculiar do cineasta.

Refilmagem de uma produção B cult do anos 1970 – Death Game (1977), que contou com Sondra Locke e Colleen Camp como protagonistas, a primeira retornando como produtora executiva e a segunda fazendo uma participação especial como atriz – Bata Antes de Entrar é uma fábula moralista e misógina sobre duas garotas que surgem para infernizar a vida de um homem casado. Reeves é a vítima, um pai de família é deixado sozinho em casa no fim de semana para trabalhar, enquanto que a mulher e os dois filhos vão se divertir na praia. À noite, quando tudo parecia bastante calmo, ele é importunado com alguém batendo à porta. São essas garotas, aparentemente desprotegidas, perdidas rumo a uma suposta festa e encharcadas pela chuva. Ele as recebe, lhes oferece toalhas, um ambiente seco, e chama um táxi para levá-las onde desejam. Elas retribuem se atirando para cima dele, literalmente empurrando-o para dentro do chuveiro para um banho coletivo, que acaba na cama com os três. O pesadelo, no entanto, começa só no dia seguinte.

É no amanhecer que Eli Roth começa a mostrar suas verdadeiras intenções e a presença de Keanu Reeves se apaga, abrindo espaço para as atuações desastradas da chilena Lorenza Izzo (a morena, namorada do diretor) e da cubana Ana de Armas. As duas se revelam psicopatas justiceiras, obstinadas em vingar “a mulher indefesa do homem infiel”, ou seja lá o que isso significa. Assumem a casa como se fossem delas, criam uma incrível bagunça na cozinha e começam a vandalizar as obras de arte da esposa dele, que é artista plástica. Ele até consegue levá-las embora, mas é por pouco tempo. Logo estão de voltas, e ainda mais decididas: o amarram numa cadeira com a promessa de matá-lo em poucas horas, não sem uma boa dose de tortura antes. É quase uma versão soft de O Albergue (2005) – o maior sucesso do realizador até o momento. Reeves se torna o passivo da equação, sem ter o que fazer além de ouvir os absurdos das duas jovens. As motivações são ilógicas – chegaram à noite, mas o vigiam desde manhã cedo? E qual o motivo de o terem escolhido? – e há tantos furos no roteiro que o melhor é desistir logo de tentar entendê-lo e aproveitar a sessão de masoquismo ao próximo – se é que possível encontrar prazer nisso.

Ana de Armas tenta fazer o papel da Lolita indefesa, e sua incapacidade de oferecer nuances à personagem a torna mais risível do que assustadora. Já Izzo parece mesmo um par perfeito para Roth (que demonstrou sua virulência sanguinária como ator em Bastardos Inglórios, 2009), com olhos saltados que pouco deixam para a suspeita desde sua entrada na casa. Já Reeves, sem coragem de assumir a própria idade (o personagem tem dez anos a menos do que o ator), deixa clara sua intenção em se encaixar a um perfil que não é o seu, tentando obter lucro – financeiro? De imagem? – em um formato longe do seu habitat. E o final, além de revelar o comportamento patético masculino e apontar para um constrangimento só cabível em um universo tão mergulhado nas redes sociais como o contemporâneo, ainda menospreza a presença feminina, reduzindo-as à bravatas inconsistentes e frágeis em suas propostas. Eli Roth, ainda que amenizado, continua sendo um cineasta descartável, obcecado apenas pelo próprio umbigo e sem condições de encarar qualquer abordagem mais madura, seja qual for o gênero escolhido para seu discurso.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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