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Sinopse

Por trás da beleza da modelo Anna Poliatova há um segredo que irá expor sua indestrutível força e habilidade para se tornar uma das assassinas mais temidas e requisitadas de todo o mundo.

Crítica

Que Luc Besson tem um forte fetiche por mulheres e armas, isso não é segredo. Afinal, basta uma rápida olhada por sua filmografia para se deparar com Nikita: Criada para Matar (1990), Joana d’Arc (1999) e Lucy (2014), apenas para ficarmos nos mais evidentes – afinal, O Profissional (1994), O Quinto Elemento (1997) e até Além da Liberdade (2011) guardavam esses mesmos elementos. Portanto, esse Anna: O Perigo Tem Nome não apresenta absolutamente nada de novo àqueles que conhecem bem a cartilha pela qual o cineasta costuma se guiar. Mais uma protagonista feminina de força insuspeita, mortes a rodo do início ao fim, uma conspiração internacional de consequências além das previstas e soluções tão rocambolescas que parecem tiradas do fundo da cartola no último instante. Tudo isso faz parte desse molho indigesto, seja pelo aparência requentada com a qual se apresenta, ou mesmo pelas soluções pouco inspiradas e repetitivas através das quais insiste em se apoiar, descartando qualquer notoriedade que o conjunto tenha ousado ambicionar.

Após a aventura Valerian e a Cidade dos Mil Planetas (2017) – um fracasso que custou quase US$ 200 milhões e arrecadou um quinto desse valor nas bilheterias norte-americanas – Besson voltou a transitar por ambiente seguro, dessa vez sem ir além do terreno que tão bem conhece. Assim como Lucy, Leeloo ou Joana, Anna é uma bela jovem com pouco a perder e muito a ganhar. O foco, ao menos no começo, não está na França do século XV, em alguma megacorporação dos tigres asiáticos ou no espaço: as atenções se voltam, dessa vez, para a Rússia. Em Moscou, vários espiões norte-americanos são desmascarados de uma só vez, expostos e eliminados. O ano é 1985, e a Guerra Fria dá seus últimos gritos de agonia. Um pulo no tempo avança meia década, e a situação não é tão diferente quanto se poderia desejar. Um caçador de talentos circula por uma feira de bairro, até se deparar com um diamante em estado bruto: Anna, a moça que vende matrioscas. Um lenço a menos nos cabelos, uma postura um pouco mais confiante, e pronto: uma modelo internacional está prestes e surgir.

Em instantes a ação se muda para Paris, mas ainda mais depressa se descobre que toda essa transformação faz parte de um plano maior: antes viciada em drogas e submissa a um relacionamento danoso, a garota ganha uma nova chance pelas mãos de um agente da KGB (Luke Evans, sem muito o que fazer). Após meses de treinamento, parte para a missão de eliminar um dos sócios da empresa de moda na qual se infiltrou sem levantar suspeitas. Assim que a tarefa termina, mais uma é providenciada imediatamente. E assim se segue, até virar rotina. Ela não é livre, e pelo jeito, nunca será. “Não imaginamos que você duraria tanto assim”, lhe diz a superior vivida por Helen Mirren (em um tipo que lhe é familiar, sem demonstrar esforço em criar algo particular). Quando é pega pelo então inimigo – o agente da CIA que ganha o rosto de Cillian Murphy, mais uma vez desperdiçado em um figura unidimensional – passa a atuar como espiã dupla. Presta contas para um e para o outro. Obviamente, não irá demorar para que se perceba que o objetivo dela é enganar ambos, pois seu único compromisso será consigo mesma.

Se Luc Besson parece demonstrar pouco respeito pelos talentos aqui reunidos, o mesmo pode ser dito também do seu trabalho com a protagonista. Sasha Luss, mais uma das suas descobertas, havia feito uma pequena participação justamente no longa anterior do diretor – o citado Valerian e a Cidade dos Mil Planetas – e agora assume, com a tranquilidade de quem está acostumada com os holofotes, o centro das atenções. A escolha para interpretar uma top model não foi ao acaso: essa era sua profissão até ser apadrinhada pelo cineasta. E se na experiência inicial sua presença é discreta, ainda que sob maquiagem e figurinos exóticos, aqui suas carências dramáticas ficam mais evidentes. Ela pode ser ótima na passarela, mas cada luta é tão ensaiada a ponto de esvaziar qualquer tensão, ao mesmo tempo em que o conteúdo emocional que deveria compartilhar ao lado de Evans, Murphy ou Mirren simplesmente se evapora diante de tentativas desprovidas de maiores significados.

A despeito de qualquer fragilidade técnica ou mesmo de seu elenco, Anna: O Perigo Tem Nome sucumbe diante de maiores expectativas justamente pela mão pesada de Besson, que demonstra depositar pouca energia no conjunto por ele mesmo reunido. As muitas idas e vindas no tempo acabam funcionando na primeira ou na segunda vez, mas logo se tornam tão demasiadamente repetitivas que passam a ser esperadas, esvaziando suas funções. As explicações contínuas se anunciam de imediato, e os pormenores revelados são tão irrelevantes quanto a necessidade do condutor em manipular absurdos que melhor funcionariam se transitassem assumidamente pelo domínio da fantasia. Improvável e desnecessário, é um título que naufraga mesmo em suas intenções mais óbvias, não atendendo aos fãs do gênero e menos ainda aos que buscam entretenimento meramente passageiro. E entre soluções constrangedoras e reviravoltas desprovidas de sentido, sobra o descaso de um nome que já foi referência no gênero, mas que agora revela estar atrás das sobras que ele próprio costumava desprezar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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