Crítica


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Sinopse

Aos 40 anos, Vilma tem uma rotina doméstica bastante repetitiva. Sua filha, Ailín, provoca um surto emocional nela em busca de atenção.

Crítica

A imaginação infantil é frequentemente utilizada no cinema, e mesmo nos desenhos animados televisivos, como meio pelo qual ganhamos um acesso privilegiado a mundos únicos feitos de fantasias e fabulações. Traumas, problemas, dificuldades, alegrias e sensações diversas tendem a receber neles um colorido diferente quando filtradas pelo prisma das crianças. Em Ailín En La Luna essa capacidade de enxergar tudo com outros olhos inunda completamente o filme – algo que recebe outro significado quando sabemos que ele foi baseado em experiências pessoais da cineasta Claudia Ruiz. Não há uma camuflagem pueril que surge repentinamente para quebrar os fluxos narrativos mais ou menos próximos do nosso cotidiano. Essa atmosfera inocente que rompe certos acordos com a realidade está ali desde o princípio. Isso, a começar pelos cenários e personagens apresentados com uma paleta de cores que puxa sempre para terroso e os tons similares ao da ferrugem. O resultado é constatar uma atmosfera em que o afeto das protagonistas precisa sobreviver a uma oxidação.

Em pouco mais de quatro minutos vemos a pequena Ailín se deslocando com a mãe pela cidade que não parece tão acolhedora, vide a porta da padaria que bate em suas caras quando é chegada a hora de fechar. Ailín En La Luna tem seu ponto alto num diagnóstico repleto de ternura, mas também de desolação, sobre a incomunicabilidade que surge de impossibilidades cotidianas. A mãe que literalmente tem vários braços para fazer as tarefas que lhe cabem não consegue dar a atenção que Ailín merece. É seu esgotamento que determina a resposta ríspida ao acidente doméstico que leva a criança ao castigo. Exatamente quando a adulta está se virando em várias, a menina diz “mamãe, olha, eu também sou um polvo”, numa vontade inocente de ser como a sua referência. Ainda que não se aprofunde muito, o filme argentino ganha pontos valiosos ao aliar um visual meio abrutalhado com a doçura que predomina entre a mãe estressada e sua filha cantarolante.

Ao dizer que vai colocar Ailín de castigo, a mãe anuncia que vai manda-la à lua. E o que vemos é justamente a menina empoleirada numa espécie de satélite artificial feito de engrenagens e lixo. Aliás, a natureza residual dos elementos predominantes no curta Ailín En La Luna deixa a curiosidade sobre o porquê da ambientação. E essa pergunta fica sem respostas, ainda que se possa conjecturar que essa abrasividade da ferrugem e da sucata seja a forma de mostrar um mundo hostil. O curta-metragem não tem qualquer presença masculina ou mesmo uma segunda mãe que pudesse auxiliar a primeira. E isso ressalta a solidão. Depõe contra o filme a dificuldade de determinar quem é a protagonista ali: a mulher madura irritadiça diante da sobrecarga da vida doméstica ou a menina se adequando como pode a essa realidade que provavelmente ela nem compreenda direito. Isso, porque não há uma perspectiva predominante nos menos de cinco minutos. Vemos um pouco o processo da adulta fazendo biscoitos e o da pequena que mata o tempo em sua lúdica e solitária clausura lunar.

Ailín En La Luna não expande o castigo como algo que dê importância à parte infantil da história. Enquanto separadas, mãe e filha são vistas de modo distinto. A menina fica emburrada ao juntar peças para fazer um ursinho para brincar. Já a mãe vai percebendo que errou ao gritar com a garota. Os biscoitos são uma forma de estabelecer a trégua entre dois mundos que nem sempre podem ser totalmente conjugados. O adulto, repleto de reponsabilidades e pressões. O infantil, cuja única responsabilidade mais cotidiana deveria ser a brincadeira. Pena que Claudia Ruiz não invista melhor o balanço entre essas galáxias às vezes tão distantes, tampouco indo por um caminho contrário, ou seja, trabalhando para que semelhanças se imponham sobre as discrepâncias. O saldo é positivo pela qualidade da animação (a técnica empregada) e a singeleza de um exemplar voltado ao público infantil, mas que não se esquece de colocar em jogo as angústias dos adultos.

Filme visto no VI Cine Jardim: Festival Latino-Americano de Cinema de Belo Jardim, em agosto de 2021.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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