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Sinopse

Luzia chega ao Rio de Janeiro com a expectativa de ali se estabelecer. Ela está à procura de Jasão, o noivo que foi primeiro à metrópole para abrir caminho. Mas, sozinha na Cidade Maravilhosa, ela se vê obrigada a aceitar a amizade e a proteção de Calunga e, adiante, a companhia de Inácio.    

Crítica

A fase inicial da carreira de Cacá Diegues colocou-o entre os principais expoentes do Cinema Novo. Ainda que menos cultuadas do que as de outros de seus contemporâneos, como Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, as obras de Diegues realizadas nesse período são extremamente significativas para a afirmação do mais emblemático movimento cinematográfico brasileiro, como é o caso deste A Grande Cidade, seu segundo longa-metragem, que tem Glauber como um dos produtores. De imediato, no prólogo com o personagem Calunga (Antonio Pitanga), o diretor apresenta quase todos os principais elementos base da proposta cinemanovista - a crítica social, as questões políticas, o experimentalismo estético e a transgressão dos moldes da estrutura narrativa tradicional - empreendendo uma provocação instigante.

Nessa sequência de abertura, Calunga discursa sobre as belezas do Rio de Janeiro – “Um Paraíso na Terra”, afirma – fala diretamente com a câmera, indaga pessoas na rua sobre seus afazeres cotidianos e divaga a respeito de como gastamos nosso tempo em vida. Os cortes rápidos e os movimentos incessantes de câmera imprimem certo tom documental a essas imagens, que logo dá lugar à poesia nos instantes finais da passagem, com Pitanga correndo sob a chuva e denominando o cinema como uma fábrica de sonhos. Após essa ruptura inicial de inegável impacto, Diegues adota uma narrativa mais linear para desenvolver a trama sobre migrantes nordestinos em busca de oportunidades no cenário carioca, dividindo a história em quatro capítulos que levam os nomes dos personagens principais.

Cada componente desse quarteto protagonista representa um tipo bem definido dentro do universo dos retirantes. O baiano Calunga é aquele com maior instinto de sobrevivência, se adaptando facilmente ao ambiente e às suas adversidades. Inácio (Joel Barcellos) é o devoto, obstinado, que sonha voltar para seu lar, na Paraíba, levando consigo o suado dinheiro ganho com seu trabalho como pedreiro. Jasão (Leonardo Villar), oriundo do sertão alagoano, é o que sucumbe à vida do crime, o fora da lei – ou anti-herói - que encarna a figura clássica do cangaceiro à la Lampião, como denota a vestimenta a caráter na foto carregada pela jovem e ingênua Luzia (Anecy Rocha), sua Maria Bonita, recém-chegada de Alagoas, aquela que se encanta com a magnitude da metrópole e crê na promessa de um futuro melhor ao lado de seu amado.

É ela, com a pureza da esperança e da paixão, o centro do filme. A força que, de maneiras diferentes, atrai esses três homens, catalisando as ações e emoções impostas por Diegues. Essa jornada à procura da felicidade, que esbarra no preconceito e na luta de classes – exposta tanto explicitamente quanto com sutileza, como quando a futura patroa de Luzia aperta o botão do elevador para que a criada desça – é registrada pelo cineasta com imenso esmero técnico, evidenciando seu leque de influências. As cenas de ação envolvendo Jasão, por exemplo, carregam traços dos arquétipos dos faroestes, com a imagem marcante do contraventor – que, não à toa, é conhecido pelo apelido Vaqueiro, “Cowboy” na tradução comum – vestido de preto e empunhando duas pistolas. Ou ainda os zooms repentinos que resultam em closes do rosto de Jasão na magnífica cena do assassinato do senador, que o levam a ter sua foto divulgada nos jornais, tal qual nos cartazes de “Procurado” do Velho Oeste.

Já a sequência do devaneio de Inácio na praia remete ao cinema mudo e ao Expressionismo Alemão, através da saturação da fotografia em preto e branco, mesclada a imagens reais da miséria e da desolação sertanista. As referências à literatura e à mitologia também se fazem notar no trabalho de Diegues, a começar pela escolha do nome Jasão e passando pelos ecos do mito de Orfeu e Eurídice, que o diretor revisitaria por completo em Orfeu (1999). Diferente da visão idealizada do francês Marcel Camus em Orfeu do Carnaval (1959), Diegues constrói um retrato mais realista da periferia do Rio. Até mesmo o Carnaval ganha uma representação desglamourizada, quando vemos Calunga correndo pelas ruas praticamente desertas no entorno de um desfile, onde cruza o caminho apenas de bêbados e mendigos.

Completando as citações a Orfeu está o trágico amor de Luzia e Jasão. A tragédia e a comédia, como grita Calunga no já citado prólogo, as duas faces da arte da atuação, valorizada aqui pelo irretocável trabalho do elenco. Leonardo Villar, com seu tipo imponente, que ao mesmo tempo deixa transparecer a alma amargurada e melancólica de Jasão. Joel Barcellos entregando a Inácio toda a inocência necessária, assim como Anecy Rocha, encantadoramente perfeita na pele da perdida Luzia, lutando para não ser devorada pela cidade grande. E por fim, Antonio Pitanga, numa interpretação magnética, transformando Calunga em um ser acima da realidade e da fantasia. O condutor da história é um menestrel, ou melhor, um rimador da literatura de cordel – outra influência do filme, vide seu subtítulo: As aventuras e desventuras de Luzia e seus 3 amigos chegados de longe.  Assim, o desfecho colocando Calunga no centro de uma espécie de palco nas areias da praia, cercado por assentos como num circo, num teatro grego ou numa arena romana, se encaixa com precisão no conceito de Diegues, completando um ciclo de desilusão, ironia e ressaca carnavalesca.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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