Crítica
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Sinopse
Aos 19 anos e cheia de energia, Irene deseja ser atriz e lida com as questões inerentes à transição entre a adolescência e a vida adulta. Porém, ela sequer imagina que seus dias podem estar precocemente contados.
Crítica
Uma jovem garota que vai indo bem, obrigado. Assim Sandrine Kiberlain olha para a protagonista do seu primeiro trabalho como realizadora. Atriz consagrada, vencedora de dois César (o ‘Oscar’ francês) e premiada nos festivais de Chicago e Istambul, entre tantos outros, vista em sucessos como Betty Fisher e Outras Histórias (2001) e As Mulheres do Sexto Andar (2010), ela se mostra distante do que se poderia esperar de uma intérprete acostumada à tamanha exposição, trilhando caminho oposto, mais ou menos como o percorrido recentemente por colegas como Frances O’Connor (Emily, 2022) ou Maria de Medeiros (Aos Nossos Filhos, 2021), que também foram para detrás das câmeras sem fazer questão de manter presença diante delas. Em A Garota Radiante, Kiberlain não é vista, mas é o seu olhar apurado que conduz a trajetória de Irène (a revelação Rebecca Marder, de A Dona do Barato, 2020), moça essa que merece muito, menos estar no lugar e, principalmente, na época em que se encontra. E é esse desencontro entre tempo e espaço a maior – e quase aleatória – tragédia de um filme aparentemente simples e leve, mas que guarda em si uma verdade tão triste quanto insatisfatória.
Leva-se um tempo até o espectador se situar ao lado de Irène. Não pela falta de informações – essas estão por todos os lados – mas pela forma dinâmica e empolgante como a menina encara o simples ato de viver, uma dádiva subestimada por tantos, mas a qual ela se agarra com todas as suas forças. Logo nas primeiras cenas, é apresentada em seu habitat favorito: o universo criativo e artístico. Junto a colegas, está ensaiando uma peça, testando seus limites e daqueles que imagina serem seus iguais. Ali, por horas ou mesmo minutos, se transforma de uma em muitas, veste fantasias e inventa realidades, se apaixona e se despede, se permite sonhar e cruzar fronteiras. Sem exigir uma dedução elaborada, fica claro que é ela a responsável não só pela união daqueles ali com aspirações e origens tão distintas, mas também é quem os conduz por meio de suas ideias e fantasias. O mundo lá fora, porém, não tardará a se fazer presente. E por mais que se esforce para seguir lhe ignorando, chegará o momento em que a urgência do mais forte terminará por prevalecer.
Se todas as atenções naturalmente acabam se voltando para as idas e vindas da protagonista, não causa espanto descobrir que a aposta da diretora de primeira viagem em uma atriz dona de um talento superlativo para servir de guia de sua história se mostra mais do que certeira. Afinal, Kiberlain, no que lhe competiu enquanto roteirista, se mostra confortável por trilhar caminhos seguros, que vão, sem atropelos ou excessos, descortinando a rotina de Irène, dividida entre esses momentos de prazer na escola e as obrigações familiares na casa que divide com o pai, a avó e o irmão. A maneira como se relaciona com cada um desses também é reveladora, apontando para uma maneira inquieta de encarar as limitações que os tempos de guerra impõem. Sim, pois por mais que fronts, combates e recrutas não estejam em frente à câmera, é sabido que o desenrolar destes fatos estão se dando na França de 1942, às vésperas da invasão germânica que colocará o país inteiro (ou quase isso) sob a mira dos nazistas. Enquanto judeus, os que aqui aparecem no centro da ação fazem parte de um dos primeiros grupos a serem afetados pela mudança que se aproxima. Mas entre o aviso e a dura realidade dos fatos há uma grande distância. A questão é que para uma se transformar em outra tudo o que basta é um estalar de dedos, algo pequeno – e sutil – demais para ser percebido com segurança.
Enquanto isso, o que se sucede é uma série de episódios que servem tanto para ilustrar uma personalidade tão colorida quanto apaixonada, como também mostrar-se enquanto registro de um potencial que, assim como tantos outros, não poderia ter sido desperdiçado pela vontade daqueles que nem sequer consciência tem da real dimensão dos seus atos. Da implicância com o irmão (Anthony Bajon, premiado em Berlim pelo drama A Prece, 2018), que no começo pode soar gratuita, mas acaba por se mostrar como um pedido de carinho, ao desenrolar quase cômico de sua ida ao oftalmologista (e a consequente paixonite que surge pelo assistente do médico, vivido por neo-galã Cyril Metzger, de O Acontecimento, 2021), uma interação reveladora para mostrar sua visão de mundo, tão preocupada com o agora a ponto de esquecer as consequências do amanhã, o que se sobressai de cada uma dessas quase anedotas é a alegria contagiante de uma jovem prestes a virar mulher, que assim como quase tudo a ponto de desabrochar em algo maior, encontra-se em posição rara, podendo tanto imaginar tudo que poderá ser conquistado, como também vislumbrar o longo caminho até ali percorrido.
Sandrine Kiberlain não assume muitos riscos em sua estreia na direção justamente pelas companhias precisas que se cercou antes de dar tão importante passo. A montagem de François Gédiger (acostumado ao lirismo capaz de disfarçar uma eminente tragédia, como visto em longas como A Rainha Margot, 1994, ou Dançando no Escuro, 2000) é tão afiada que em mais de um instante poderá provocar a sensação de se estar diante de apenas mais uma comédia romântica, e não em frente a um drama de proporções que até hoje não foram esquecidas. Da mesma forma, o olhar de Guillaume Schiffman (indicado ao Oscar por O Artista, 2012) revela-se tão delicado quanto objetivo, sabendo tanto o que mostrar como, principalmente, o que deixar de lado, apenas no campo da sugestão. Forças que fazem de A Garota Radiante um conjunto além da suspeita que levanta num primeiro momento, mas que de nada seriam válidas não fossem estarem cercadas pela energia contagiante de uma intérprete hábil em levar ao pé da letra o título que a ela se refere. Mérito seu, portanto, este ser um filme fácil de se ver, mas, também, difícil de ser esquecido.
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