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Ao ganhar o Urso de Prata de Melhor Ator no Festival de Berlim 2018, Anthony Bajon derrotou uma disputa liderada por nomes como Joaquin Phoenix (A Pé Ele Não Vai Longe, 2018), Gael Garcia Bernal (Museu, 2018), Gaspard Ulliel (Eva, 2018) e Robert Pattinson (Damsel, 2018), entre outros menos conhecidos. E o que o jovem de 24 anos, visto antes apenas como coadjuvante em filmes como Insubstituível (2016) e Rodin (2017), demonstra em cena faz jus a tamanho reconhecimento? Ao conferir seu trabalho neste A Prece, a conclusão mais óbvia é que tal decisão foi, no mínimo, questionável. É certo que o júri liderado pelo alemão Tom Tykwer estava decidido a privilegiar novatos – a melhor atriz foi a paraguaia Ana Brun, irrepreensível em As Herdeiras (2018) – mas ao contrário da escolha feminina, acima de qualquer contestação, o resultado, aqui, poderia ter sido mais comedido. Não há dúvidas de Bajon pode vir a se tornar um ótimo intérprete no futuro. No longa de Cédric Kahn, entretanto, ele nem tem tantas oportunidades para demonstrar o potencial desse talento, por mais que o argumento pareça, falsamente, estar a seu favor.

Assim como fizera em Vida Selvagem (2014), seu longa anterior, Kahn propõe um olhar a partir da introdução do protagonista a um ambiente que lhe é estranho. Se antes éramos convidados a acompanhar um pai que decide abandonar a civilização para viver com seus dois filhos no meio da natureza, dessa vez a mudança é provocada mais por necessidade do que por mero desejo: Thomas (Bajon) é um jovem viciado em heroína que, como último recurso, se vê internado em uma casa de recuperação. A questão, aqui, é o lugar onde vai parar. Trata-se de uma instituição religiosa, onde a fé anda ao lado de normas muito rígidas e diretrizes que devem ser seguidas ao pé da letra, sob pena de expulsão ou desistência. Claro, evita-se qualquer tipo de radicalidade. Os que ali estão, o fazem em busca de ajuda. E assim devem ser vistos, inclusive sob a ótica de suas fraquezas.

Durante a narrativa, a única figura de autoridade ligada à Igreja Católica com algum peso dramático, e mesmo assim em poucas – porém marcantes – passagens, é a da madre Myriam (participação especial de Hanna Schygulla, a diva de Fassbinder, ainda demonstrando excelência já próxima dos 80 anos), a responsável pela criação do lugar. Ela surge num momento de grande inquietação para Thomas. Pois, assim como qualquer dependente químico, os primeiros dias – e até mesmo semanas – podem ser considerados ‘fáceis’ para aqueles em busca de desintoxicação. O problema se apresenta com sua verdadeira face durante as fases mais críticas da abstinência. O tempo, nestes casos, é tão companheiro quanto vilão. Ele ajuda quando é possível vencê-lo, mas como superá-lo em plena solidão? Aqueles que estão por perto é que acabam fazendo a diferença. Justamente por isso, A Prece se mostra um filme mais de elenco do que de um só personagem.

Exemplar para essa leitura é a sequência em que diversos internos dão seus depoimentos sobre suas vidas antes e depois da passagem pela casa. O trecho, aparentemente documental, oferece ao filme uma força que não encontramos no drama vivido por Thomas. Sobre o garoto, de postura invariavelmente introspectiva, pouco ficamos sabendo. De onde veio, qual seu passado, se sua condição atual teria sido fruto de uma família problemática ou de más companhias? Para isso, resta ao espectador apenas a imaginação. Quando internado, acompanhamos a rotina de todos – rodas de canção, muitas rezas em conjunto, atividades físicas no campo – e poucos, quase nenhum, momentos sozinhos. É dito no começo: “sempre haverá alguém, um outro irmão, ao seu lado, durante toda essa caminhada por aqui. Ele será o seu anjo”. E assim acontece. Portanto, o que se entende é que não é apenas a prece, a fé, ou a determinação que movem montanhas nesse local: é a união de todos, a solidariedade, tanto no âmbito da ficção como no resultado fílmico da narrativa.

Em certo momento, Thomas está certo que não irá conseguir ir até o fim do programa e decide ir embora. Sua fuga é interrompida em uma casa da vizinhança, onde pede abrigo. Lá, se depara no dia seguinte com uma bela moça que, diferente dele, sabe bem o que quer para o seu futuro. Sua certeza o contamina. E será a partir dessa religião que ele passa a ser catequisado – por mais que acredite, ou ao menos se manifeste, de forma contrária. Cédric Kahn combina uma leve crítica religiosa com a crença de que nem tudo é preto e branco, e será nestes diversos níveis entre um extremo e outro em que a verdade se encontra. A de cada um, no entanto, cabe ao indivíduo, e somente a ele, descobri-la. E assim, A Prece deixa claro ter muito a dizer, mesmo que não se esforce para revelar tal mensagem. O segredo, enfim, está nas entrelinhas, no não-dito, ou como diz o ditado, nas linhas – e atitudes – tortas.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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