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Sinopse

O processo de redemocratização do Brasil substituiu lenta e gradualmente o regime ditatorial encabeçado pelos militares por mais de 20 anos. Do movimento das Diretas Já à posse de Jair Bolsonaro, um resumo de nossa história mais recente.

Crítica

“Que história vamos construir no tempo presente?”. Os letreiros assumem, desde o princípio, a delicada iniciativa de analisar uma história ainda lembrada por muitos, no caso do processo de redemocratização do país pós-1985, e com efeitos presentes na vida de todos, no que diz respeito ao golpe de 2016, a prisão de Lula, a gestão Temer, a eleição de Bolsonaro. Grandes cineastas brasileiras se dedicaram a este processo recente oferecendo pontos de vista inéditos: Maria Augusta Ramos revelou os bastidores do Senado e a orquestração da resposta legal ao impeachment por parte do PT em O Processo (2018); Petra Costa privilegiou o reflexo da crise na vida dos indivíduos em Democracia em Vertigem (2019); Anna Muylaert e Lô Politi acompanharam Dilma de perto, dia após dia, conforme se desenhava o afastamento do cargo, em Alvorada (2021). Elas partiam de um conjunto poderoso de imagens de arquivo aliadas e gravações próprias de proximidade com o poder. Carla Camurati, por sua vez, adota um caminho distinto, realizando um documentário composto unicamente por recortes de jornal, reportagens de televisão, vídeos caseiros e memes da Internet. Trata-se de um “filme de montagem”, no sentido estrito do termo: a estrutura nasceu na mesa de edição.

8 Presidentes 1 Juramento: A História do Tempo Presente (2021) decide aproximar, via colagem de fragmentos, todos os ocupantes do mais alto cargo do governo brasileiro desde a eleição de Tancredo Neves, falecido antes de tomar posse. O segmento dedicado a José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso é mais curto do que aquele consagrado a Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer, onde o filme parece encontrar seu verdadeiro objetivo. Cabe a Jair Bolsonaro encerrar a projeção de maneira veloz e fantasmática, sendo relembrado pelas frases de efeito, pelos palavrões e grosserias, além das confissões de corrupção (a tentativa de mudança de diretor da Polícia Federal para poupar os filhos de investigações). A cineasta passa pelos principais planos econômicos, crises políticas, alianças entre partidos, escândalos de corrupção, julgamentos e debates acalorados no Congresso, Senado e no Superior Tribunal Federal. Há espaço para falar tanto do áudio “com o Supremo, com tudo” quanto da saudação à mandioca, tanto dos protestos nas ruas quanto da homenagem ao torturador Brilhante Ustra. A montagem, bastante ágil para 142 minutos de duração, inclui letreiros, trilha sonora rock e sequências irônicas ou sarcásticas, a exemplo dos delírios messiânicos de Janaína Paschoal e da promessa de Collor quanto à manutenção do equilíbrio econômico.

Observando em retrospecto, o conteúdo oferece um teor tragicômico, permitindo observar as primeiras promessas de Aécio Neves jovem, a guinada ideológica de Roberto Jefferson, o declínio econômico do segundo governo Fernando Henrique Cardoso, a formação do Lulinha Paz e Amor, e assim por diante. A maioria dessas figuras, incluindo Gilmar Mendes e a ministra Rosa Weber, ainda constitui peças essenciais do tabuleiro político atual, fornecendo a impressão de que a renovação, apesar das flutuações entre direita, esquerda e extrema-direita, foi mínima. Afinal, os possíveis candidatos à presidência em 2022 se encontram neste panorama de 36 anos da história do Brasil: Lula, Bolsonaro, Ciro Gomes, Sérgio Moro, Marina Silva. O apanhado transmite a sensação de uma democracia frágil, onde cada figura eleita foi alvo de conspirações e polêmicas. Pelo olhar da autora, vivemos um período de crise permanente, existindo maior possibilidade de uma presidência ser sabotada e interrompida do que levada a termo. Trata-se de um apanhado da retórica eleitoreira e constitucional, plena de grandes gestos de oposição que se revelam menos corajosos uma vez convertidos em situação: a direita democrática opondo-se à ditadura, a esquerda prometendo corrigir o elitismo da direita, a extrema-direita pregando um retorno violento à ordem após os anos de PT. FHC não conquistou todas as privatizações que queria, Lula e Dilma não garantiram o esclarecimento político da classe média emergente, Bolsonaro não “fuzilou a petralhada” como previsto. Há uma diferença notável entre teoria e prática.

No entanto, as reflexões a respeito deste Brasil vacilante ficam a cargo do espectador, ao invés do próprio filme. Descritivo e linear, o projeto encadeia as principais passagens das sucessivas presidências, auxiliado por letreiros explicativos e ornamentos de discurso: “O fim dessa história…”, “Enquanto isso, em Curitiba…”. A montagem resume de maneira eficaz os anos turbulentos pós-ditadura militar. No entanto, limita-se a isso: um resumo de reviravoltas centrais deste processo. O caráter informativo parece visar um espectador obtendo contato com estes dados e nomes pela primeira vez, ao invés de propor hipóteses e argumentações a partir dos fatos consensuais. Collor e Dilma sofreram impeachment, e ninguém contestaria esta evidência. Lula foi preso. E então? A obra carece de uma contribuição pessoal em termos de discurso, reflexão e estética. A edição poderia comparar as falas de Lula ou Aécio ontem e hoje, compilar conteúdos machistas direcionados a Dilma, face à benevolência com que foram tratados os homens, ou aproximar contradições e oposições notáveis entre discurso e prática. Abriu-se caminho para dissecar o conteúdo linguístico dos discursos de posse, repletos de significados simbólicos. No entanto, o filme jamais se presta a este papel. Lembra-se, em linhas gerais, a origem do caos — mas alguém havia esquecido? O discurso visa espectadores ignorantes, por escolha ou falta de oportunidades, que também representam o setor menos propenso a assistir a um documentário político brasileiro de quase 2h30 de duração. Os setores progressistas, receptivos a tal conteúdo, provavelmente se lembram destes episódios bem até demais.

Assim, 8 Presidentes 1 Juramento: A História do Tempo Presente proporciona a experiência amarga de colocar o dedo na ferida com detalhe e atenção, porém ignorando a maneira de tratá-la. Paira um teor quase perverso nesta ciranda interminável de golpes, contragolpes e escândalos. A mídia desempenhou papel fundamental na demonização da esquerda e de seus feitos, no entanto, em se tratando de uma produção Globo Filmes, com diversos materiais cedidos pela emissora, Camurati deve ter preferido poupá-la de responsabilidade ética e ideológica — o nome de Ali Kamel, diretor de jornalismo da Globo, surge nos agradecimentos finais. Poderia se deplorar a ausência de alguns personagens importantes: os jovens neoconservadores do MBL, ideólogos da direita como Olavo de Carvalho e os principais intelectuais da esquerda. Certo, seria impossível dar conta de tudo, e a montagem pode ser considerada generosa, atribuindo o devido papel à vereadora Marielle Franco e aos governadores do Rio de Janeiro. Entretanto, a real carência do filme diz respeito à conclusão que Camurati e sua equipe extrai deste farto material. O que isto nos diz a respeito dos caminhos a tomar, ou das ferramentas de enfrentamento? Estamos condenados a sucessivos governos corruptos e sabotados (interna ou externamente)? A ausência de tais ponderações aproxima o resultado de um perigoso conformismo: uma das possibilidades de leitura se encontra na tese catastrofista de que o Brasil é assim mesmo, e nada poderá consertá-lo. Os melhores filmes históricos são aqueles que elucidam o presente e abrem caminhos para cogitar o futuro. Quando se encerram em si próprios, tornando-se meio e finalidade, em pouco contribuem à arte e à política.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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CríticoNota
Bruno Carmelo
5
Ailton Monteiro
4
MÉDIA
4.5

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