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Sinopse

O processo de impeachment da ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, foi considerado como um dos reflexos da polarização política e da ascensão da extrema-direita para o poder. Imagens internas e exclusivas dos bastidores do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e do Palácio da Alvorada, acompanham a votação para a queda da líder máxima da nação.

Crítica

O peso simbólico de Democracia em Vertigem é mais didático que propriamente cinematográfico. Ainda que não faltem predicados ao longa-metragem dirigido por Petra Costa, para além das concatenações da montagem ou mesmo da forma como o percurso é articulado está a capacidade de sintetizar uma transformação do cenário político brasileiro, cuja culminância foi a eleição presidencial de um político extremista e truculento como Jair Bolsonaro. Há pouco efetivamente de novo nesse relato supostamente íntimo da sucessão de fatos nutridos pela sanha predatória da elite tradicionalmente detentora do poder. Todavia, é necessário ponderar a relevância que o filme tem como documento, instrutivamente falando, inclusive para que os espectadores estrangeiros entendam como funcionam os mecanismos espúrios da velha política brasileira, alicerçadas na enorme influência da mídia e na força econômica oriunda das oligarquias.

Diferentemente dos recortes de O Processo (2018) e Excelentíssimos (2018), para citar projetos igualmente debruçados, cada um à sua maneira, sobre as circunstâncias em torno do impeachment de Dilma Rousseff, o de Democracia em Vertigem propõe um olhar ampliado que abarca desde a predisposição secular à dominação dos enfraquecidos por um sistema excludente até a indagação sobre o futuro que nos aguarda. O que poderia lhe conferir uma aura de maior singularidade, principalmente considerando as demais realizações de Petra Costa, é a disposição da criadora de colocar-se ativamente em cena. Mas, ela faz isso circunstancialmente, valendo-se do acesso privilegiado a figuras essenciais desse jogo intrincado, sobretudo a presidenta destituída. Petra aproxima essa mulher de sua mãe, colocando-as no mesmo ambiente, instigando-lhes a conversar sobre o passado compartilhado de repressões e tortura. Porém, isso soa como mera pontuação.

Aliás, Petra Costa ensaia fazer das contradições internas de sua família um microcosmo do país cindido em dois por conta de uma série de estratagemas midiáticos, econômicos, judiciais, etc. Os avós prosperaram durante a Ditadura Civil-Militar, se tornando milionários e, de certa forma, partícipes dessa artimanha de financiamento de campanha visando favores governamentais adiante. Mas, a falta de um mergulho vertiginoso nesse dado faz da deflagração uma formalidade justificativa, como se a cineasta estivesse simplesmente se protegendo de eventuais críticas e apontamentos de ordem ética. Ser herdeira do todo poderoso Grupo Andrade Gutierrez é posto, então, como um escudo, pois as ambiguidades disso perdem gradativamente espaço em função da informação, da síntese que transcorre na tela. O diagnóstico, assim, não é tão profundo, permanecendo na esfera da exposição, mas ainda assim garantindo a leitura sagaz de um cenário vasto, com diversos atores e circunstâncias, mesmo relativamente fragilizado do ponto de vista puramente semiótico.

Democracia em Vertigem é um filme dependente da verbalização, daquilo que é dito com tons pesarosos, dessa leitura menos pessoal do que se poderia imaginar de um período histórico bem específico, ocasionalmente atravessada por indícios do caráter cíclico das retomadas de poder por parte dos abastados que movimentam as engrenagens do elitismo da nação. Petra Costa faz um apanhado próximo ao jornalístico, enfileirando circunstâncias e interpretações próprias, evidentemente tomando para si o papel de guia, mas dotando o conjunto de valor por aquilo que ele amalgama factualmente, não por qualquer relação estabelecida entre sua personagem e a democracia brasileira pós-ditadura, ambas com idade semelhante. Nesse sentido, o documentário poderia prescindir dos excertos domésticos sem perder a essência, esta residente na forma habilidosa como a cineasta identifica os suspeitos abalos nas placas tectônicas de nossa frágil democracia.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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