Este não é um filme fácil. Não somente pela história que conta, mas como a conta. Narrativamente falando, o trabalho de Nelson Pereira dos Santos é um dos mais arrojados daquele ano de 1977 – dentro e fora do Brasil. Tomando como base o livro homônimo de Jorge Amado e adaptando-o em roteiro cinematográfico ao lado do escritor baiano, o diretor concebeu um filme metalinguístico, não linear, por vezes documental, mas sempre impactante em sua mensagem antirracismo. Para tanto, bebe na fonte de Orson Welles e de seu Cidadão Kane (1941) à construção coletiva da figura do filósofo negro Pedro Archanjo, imprimindo brasilidade àquela ideia tão norte-americana. Não à toa, quem inicia o interesse das pessoas por Archanjo é um estrangeiro, um homem que sai de sua terra natal, chegando ao Brasil para entender melhor quem foi aquele sujeito que tanto fez em prol da igualdade racial. Em seu inglês polido, afirma que procura o filósofo que virou cabeças no passado, no que tange às questões de raça e credo. Assim começa a busca que movimenta o longa-metragem. Observando que tem um ótimo material para trabalhar, o poeta, jornalista e cineasta Fausto Pena (Hugo Carvana) parte para a pesquisa, a fim de saber mais a respeito desse Pedro Archanjo. Acompanhamos, primeiramente, os últimos dias de Archanjo (vivido por Juarez Paraíso) para, depois, voltarmos no tempo e observamos seus estudos em tenra idade (interpretado por Jards Macalé). O filósofo sofreu muito preconceito por sua cor e suas ideias de miscigenação. Mesmo ocupando lugar de destaque na universidade, era tido como um párea pelos colegas. Tenda dos Milagres consegue passar a limpo diversos preconceitos enraizados na sociedade brasileira e que, infelizmente, ainda parecem verdadeiros quarenta anos depois do lançamento do filme.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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