O vermelho é tido como a cor da sedução. Logo, o sangue escorrendo tem lá o seu lado fetichista. Talvez por isso os realizadores do gênero giallo, unanimemente masculinos, gostem tanto de derramar o líquido vermelho em suas musas. São elas as principais vítimas dentro desse ciclo inventivo do cinema italiano, do qual o diretor Mario Bava é um dos grandes nomes. Ele sempre tinha atenção extrema às personagens femininas. Ainda mais quando elas já não mais respiravam. Tanto que tramou um dos exemplares precursores do giallo e, sem dúvida, um de seus trabalhos mais relevantes e criativos.

Seis Mulheres Para o Assassino (1966) é o resultado da união de estética e roteiro fundamentais do giallo, inventado (há controvérsias sobre isso, mas deixemos a polêmica para outro texto) pelo próprio Bava em dois trabalhos anteriores, A Garota que Sabia Demais e Black Sabbath: As Três Máscaras do Terror, ambos de 1963. Seis Mulheres Para o Assassino seria o momento auge, em que Bava pegou a base das histórias de assassinatos misteriosos e o visual de cores intensas e corredores permeados por mistérios. A trama, com o maior elenco feminino do diretor, se passa num ambiente também relacionado às mulheres, um ateliê de alta costura. É nele que o matador mascarado, com seu chapéu estiloso, faz sua primeira vítima, a modelo Isabella (Francesca Ungaro), que trabalha desfilando para a dona do negócio, a condessa Christina (Eva Bartok). É ela, aliás, quem encontra o corpo da moça, estrategicamente escondido num armário do ateliê, na primeira surpresa das muitas que Bava nos reserva. Está aberta a porta do crime. E do sangue.

As sequências construídas para os próximos assassinatos do filme trazem a assinatura e a segurança de quem conhece a linguagem cinematográfica como poucos. Estão lá todos os matizes da escuridão que formam a paleta “baviana”: o rosa, o azul, o verde e, como não poderia faltar, o vermelho. Cada ataque tem a elegância com toques psicodélicos que torna o italiano um dos grandes mestres da Sétima Arte. Aos que acreditam que esse título é um exagero, vale ressaltar que a elegância que marca a mise-en-scène de Bava brota do improviso. A falta de verba não era desculpa para seguir um caminho mais fácil. O italiano fazia o que queria, mesmo precisando cortar um dobrado para chegar ao resultado. E é no corpo das personagens que ele encontra o cenário perfeito para dar o seu recado visual. Se fosse para resumir as mortes femininas no giallo numa única cena, sem dúvida seria a ambientada na banheira de Seis Mulheres Para o Assassino. Em contraste com um ambiente de tons azuis, uma morena de lábios muito vermelhos e olhos arregalados vai, lentamente, sendo coberta pelo próprio sangue misturado com a água do que seria um simples banho. Zero efeitos especiais. Apenas tinta, luz, um ângulo bem escolhido. E, claro, uma atriz expressiva até na morte.

Mas, por que matar tantas mulheres? Como é esperado num roteiro giallo, não há muito destaque à motivação do assassino. Mesmo não poupando suas vítimas e explorando as formas femininas para dar ainda mais força às cenas, Mario Bava passa longe de ser misógino. É perceptível sua paixão pelas mulheres e, já que seu cinema tem por objetivo colocar o público diante de situações limite, nas quais o perigo pode vir de onde menos se espera, nada melhor que utilizar um dos símbolos (de acordo com a sociedade machista) da fragilidade como ponto central. O realizador sabe que só uma garota aguentaria o tranco de suas cenas sem perder o estilo que ele tanto prezava.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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