Astro de mais de 100 filmes – uma marca impressionante, principalmente no Brasil – Hugo Carvana de Hollanda foi ator, diretor, roteirista e produtor. Figura popular nos palcos e, principalmente, na televisão nacional, nunca escondeu que sua verdadeira paixão era a sétima arte. De fato, foi no cinema em que teve início sua gloriosa carreira, e foi na tela grande, também, que o artista fez sua última aparição. Nascido no dia 4 de junho de 1937 na cidade do Rio de Janeiro, o carioca da gema se despediu de vez em 04 de outubro de 2014, também na capital carioca, aos 77 anos, após uma luta inglória contra um câncer de pulmão. Nesse meio tempo, com apenas 18 anos de idade estreou nas telas como coadjuvante na comédia Trabalhou Bem, Genival (1955), de Luiz de Barros, e encerrou suas atividades com uma passagem rápida no filme coletivo Rio, Eu Te Amo (2014), em que dividiu a cena com Fernanda Montenegro no episódio Dona Fulana, dirigido por Andrucha Waddington.
Se o cinema lhe fazia o coração bater mais forte, é impossível ignorar sua presença constante na telinha. Em quase meio século de atividades, foi responsável por tipos inesquecíveis, como o detetive Valdomiro Pena, do seriado Plantão de Polícia (1979), ou o empresário Lineu Vasconcelos, da novela Celebridade (2003). Foram, ao todo, 23 novelas, sete minisséries e dois seriados. Era, ainda, adepto do método Stanislavski de interpretação, e chegou a se envolver com o Teatro de Arena de São Paulo, com o Teatro Nacional de Comédia e no Grupo Opinião. Mas o cinema sempre lhe falou mais alto, e foram mais de cinco décadas dedicadas ao ofício cinematográfico.
Após um início discreto, ainda na adolescência, em que apareceu em pequenos papéis em chanchadas da Atlântida, conseguiu seu primeiro personagem de destaque em um dos episódios de Esse Rio Que Eu Amo (1961), de Carlos Hugo Christensen e com roteiro de Millôr Fernandes. Foi quando largou o emprego de office-boy e decidiu que essa seria sua verdadeira carreira. No ano seguinte, conheceu o diretor moçambicano Ruy Guerra, recém-chegado de Paris, que veio ao Brasil filmar Os Cafajestes (1962). Um pequeno papel nessa produção resultou em novo convite para atuar sob o comando do cineasta, agora em Os Fuzis (1963). A partir desse momento, passou a ser figura constante em títulos referenciais do Cinema Novo, como A Falecida (1965), de Leon Hirszman, Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1968), ambos de Glauber Rocha, Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade, e A Grande Cidade (1966), de Cacá Diegues.
Curiosamente, foi sob o comando do documentarista Eduardo Coutinho, aqui em sua única experiência com a ficção, que descobriu a comédia ao atuar em O Homem que Comprou o Mundo (1968). Esse sempre foi, declaradamente, seu gênero favorito. Encarnou como poucos o malandro carioca, aquele esperto que sempre se dá bem na última hora, apesar de todas as confusões em que está constantemente envolvido. Foi essa figura que resgatou em sua estreia como realizador em Vai Trabalhar Vagabundo (1973). Filho da costureira Alice Carvana de Castro e do comandante da Marinha Clóvis Heloy de Hollanda, Hugo Carvana cresceu na Zona Norte do Rio de Janeiro, entre Catumbi, Rio Comprido e Tijuca. Quando decidiu, ainda na juventude, frequentar a escola de teatro contra a vontade da mãe – que chegou a dizer que não tinha criado filho para ser “veado” – ele afirmava que, ao chegar em casa após os ensaios, era recebido por uma enfezada Dona Alice, que lhe dizia: “vai trabalhar, vagabundo!”.
A experiência pessoal lhe rendeu inspiração também para outro dos seus grandes sucessos. Amigo pessoal de Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Ary Barroso, entre outros, era presença constante nas mesas dos bares da cidade. Dessa vivência, nasceu Bar Esperança (1983), longa que mostrava um grupo de intelectuais, artistas e personalidades da noite carioca que tentam impedir a demolição de um famoso bar de Ipanema. Selecionado para o Festival de Gramado, saiu da serra gaúcha com três kikitos: Melhor Atriz, para Marília Pêra, Melhor Atriz Coadjuvante, para Silvia Bandeira, e Melhor Roteiro, para Carvana e dividido com Euclydes Marinho, Armando Costa, Denise Bandeira e Martha Alencar – essa, aliás, sua esposa e com quem ficou junto por mais de quarenta anos.
Muitas foram as histórias curiosas que cultivou ao seu redor. Alguns afirmam que teria abandonado o almoço de comemoração do próprio casamento para ir ao Maracanã conferir um jogo do Fluminense (e que teria rendido uma crônica, no dia seguinte, de Nelson Rodrigues, que lhe chamara de “o verdadeiro tricolor”). Entre seus grandes parceiros estavam Nelson Pereira dos Santos (com quem fez Tenda dos Milagres, 1977), Arnaldo Jabor (Toda Nudez Será Castigada, 1973) e Luiz Carlos Lacerda (Leila Diniz, 1987). Como realizador, dirigiu ao todo nove longas, todos eles com forte teor cômico. Foi premiado nos festivais de Gramado e de Brasília, e deixou, além da esposa, quatro filhos: Pedro, Maria Clara, Júlio e Rita. Sua última homenagem foi durante o atual Festival do Rio, que reapresentou, em sessão especial, uma cópia restaurada de Vai Trabalhar Vagabundo. Hugo Carvana não pôde comparecer, pois já estava hospitalizado. Mas foi um “adeus” em hora certa, muito merecido e justo com esse artista que fez da alma carioca argumento para uma carreira repleta de vitórias e sucessos.
Filme imprescindível: Vai Trabalhar Vagabundo (1973), em que interpreta o protagonista, Secundino Meireles, e que ganhou uma continuação quase vinte anos depois.
Filme esquecível: Nos últimos anos se habituou a fazer várias participações rápidas em filmes de menor expressão, como Giovanni Improtta (2013). Porém, como realizador, seu último longa, a comédia Casa da Mãe Joana 2 (2013), é completamente descartável.
Filme favorito de sua filmografia: Se Segura, Malandro! (1978), longa que dirigiu durante o governo Geisel e pelo qual teve que lutar contra a censura da ditadura civil-militar para ser liberado.
Maior sucesso de bilheteria: Casa da Mãe Joana (2008), que teve 525 mil espectadores
Maior fracasso de bilheteria: O Capitão Bandeira Contra o Dr. Moura Brasil (1971), de Antonio Calmon, em que além de atuar fora responsável pelo roteiro e pela produção, e cujo desastre foi tão grande que as dívidas geradas só foram ser pagas com o sucesso do seu filme seguinte, Vai Trabalhar Vagabundo.
Primeiro filme: Trabalhou Bem, Genival (1955)
Último filme: Rio, Eu Te Amo (2014)
Guilty pleasure: Vai Trabalhar Vagabundo 2: A Volta (1991), em que retoma seu clássico personagem quase vinte anos depois e que, apesar do fracasso de público, foi premiado nos festivais de Brasília e Gramado.
Premiações: Foi premiado seis vezes no Festival de Gramado, pelos filmes Vai Trabalhar Vagabundo – Melhor Filme; Bar Esperança (1983) – Melhor Roteiro; Vai Trabalhar Vagabundo 2: A Volta (1991) – Melhor Ator e Prêmio do Público; e Apolônio Brasil: Campeão da Alegria (2003) – Prêmio Especial do Júri; além de ter recebido o Troféu Oscarito pelo conjunto de sua carreira em 2001. No Festival de Brasília foi premiado como Melhor Ator por Vai Trabalhar Vagabundo 2: A Volta, enquanto que no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro foi indicado apenas uma vez, como Melhor Ator Coadjuvante, por 5x Favela: Agora por Nós Mesmos (2010).
Frase inesquecível: “O humor, hoje, é moda. E se amanhã sair de moda, vou continuar fazendo humor. É uma devoção. Só consigo me olhar sob esse viés da alegria, da brincadeira, da ironia. Estou preso a essa bolha de alegria, e de dentro dela não pretendo sair”, declaração de 2011.
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