Debora Falabella é uma das nossas atrizes mais queridas. E não digo isso apenas no cenário nacional, mas aqui no Papo de Cinema, mesmo. Nós a acompanhamos há muito tempo, provavelmente desde sua estreia na tela grande, na versão de 2 Perdidos numa Noite Suja (2002), que lhe rendeu o Candango de Melhor Atriz no Festival de Brasília. Logo depois veio o campeão de bilheterias Lisbela e o Prisioneiro (2003), que levou mais de 3 milhões de pessoas aos cinemas. E assim foi durante toda a primeira década do século XXI, até Meu País (2011), trabalho que lhe rendeu sua segunda indicação ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro – o Oscar da produção nacional – e a quarta indicação ao Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro, a maior premiação da crítica no país. Mesmo estando em alta, passou a se dedicar mais à televisão e ao teatro, e o cinema entrou em um hiato. Jejum esse que só foi rompido cinco anos depois, com O Filho Eterno (2016). Ali começou um ensaio de volta às telas, que teve continuidade com O Beijo no Asfalto (2017), exibido na Mostra Internacional de São Paulo, no ano passado – com previsão de estreia para os próximos meses – e Todo Clichê do Amor (2018), escrito, dirigido e atuado por Rafael Primot, que está chegando agora aos cinemas. E foi sobre esses dois novos trabalhos que a gente conversou com a atriz na última semana em São Paulo. Confira!
Debora, como foi receber o convite para ser a ‘mocinha’ de Todo Clichê do Amor?
Ah, adorei, né? (risos) Fazia tanto tempo que não fazia uma mocinha. Mas, acima de tudo, esse foi um filme que fiz de uma forma muito afetiva. Afinal, conheço o Rafa há muito tempo. A gente sempre foi parceiro um do outro em nossos projetos. Inclusive, tinha participado de um curta dele. E há pouco tempo estivemos juntos em uma peça no teatro. Então, temos essa relação que é muito bonita. Antes mesmo dele me falar sobre o que era esse filme, disse: “topo, vambora”!
Quer dizer que você aceitou estar no filme antes mesmo de ler o roteiro?
Acontece que tinha lido esse texto quando ele escreveu para o teatro. Então, sabia mais ou menos sobre o que era. Mas aceitaria de qualquer jeito, não importa qual personagem reservasse para mim. O Rafa é um cara que acredito, é muito talentoso como ator, como diretor, como roteirista. Não tinha como não topar na hora.
Por serem três histórias separadas, muitos do elenco acabam não se encontrando. Mas você está na trama central, ao lado da Gilda Nomacce e do próprio Rafael Primot. Como foi fazer parte deste triângulo?
Ah, foi uma delícia. A gente tinha uma parceria de cena muito grande. Fizemos muitas coisas juntos, como ator e atriz, tanto no cinema como no teatro. É uma pessoa que gosto muito, com a qual tenho afinidade artística. E com a Gilda foi uma ótima surpresa, uma atriz maravilhosa pra encontrar no set. Foi um trabalho, ao mesmo tempo, tranquilo de fazer e muito rápido, pois tínhamos pouco tempo, era preciso deixar que as coisas acontecessem. Não cheguei a ter um tempo de preparação, por exemplo. Por isso, fui desarmada, o que acabou sendo bom.
Muitas vezes, em comédias, os atores precisam se esforçar para entreter o público, e em outras parece que o elenco está se divertindo mais que a plateia. Como foi buscar esse equilíbrio?
Por mais que tenha ido de braços abertos, sabia bem o que tinha que cumprir. A gente tinha que contar aquela história, e era importante não perder essa noção do que era preciso fazer e da importância da nossa parte dentro do contexto maior do filme. Ao mesmo tempo, tinha essa coisa do tempo curto, que não me permitiu uma preparação maior. Quando você pode se preparar, há dois lados. Por um, consegue uma precisão muito interessante. Mas, por outro, talvez perca um pouco o frescor. Esse filme tem tudo muito vivo nestas cenas. Às vezes não tínhamos nem texto, eram quase brincadeiras entre os atores.
Então era mais na base do improviso?
Acho que a sequência que mais me exigiu foi a da linguagem de sinais, porque realmente tive que aprender como fazer. Mas, por outro lado, não tinha nada para falar, era só ficar quieta, gesticulando (risos). Era muito gestual. E isso foi interessante. Foi uma coisa que só tive noção de como ia ficar na hora que estava fazendo. Até então, estava mais preocupada em aprender. Precisava saber como fazer a minha parte, e atenta para não errar. Mas, na hora que faz, é muito poderoso. É uma linguagem que você pensa que é só gestual, mas tem muito a ver também com a expressão. Você está pensando o tempo inteiro no que está querendo dizer. Deve ser interessante dominar, mesmo, a técnica. Fiquei até com vontade de investigar mais.
Essa liberdade que você está falando, era assim também nos bastidores?
Era chegar e fazer. Não houve nenhum ensaio antes das filmagens. Tive apenas duas diárias, para ter uma ideia. Mas não era só improviso. Como muitas das minhas cenas estavam envoltas por uma narração do personagem do Rafa, eram momentos que não tinham diálogos para serem interpretados. Estão ali para ilustrar o que ele está falando, ou pensando. O texto era todo dele. E, quando você tem três atores juntos, jogando, deixamos isso acontecer. Talvez isso tenha sido interessante justamente porque o nosso tempo era curto. Se pudesse fazer e refazer muitas vezes, poderia acabar não dando certo. No nosso caso, foi possível manter o frescor.
Enquanto atriz, estando inserida em um filme que se propõe a brincar com os clichês das histórias românticas, te dá mais liberdade para compor tua atuação?
Os filmes do Rafa, e nesse em especial, saem um pouco da realidade. É uma grande brincadeira com o real. Tudo vai um pouco além, está num clima acima do natural. Então a gente consegue brincar com isso, inclusive na caracterização, na maneira de interpretar. Apesar de ter algo próximo da vida real, ele acontece num outro lugar.
Debora, a última vez em que conversamos foi no lançamento de O Filho Eterno (2016), e naquela época você me disse que estava encerrando um ciclo afastada do cinema, que queria voltar pra telona. Todo Clichê do Amor faz parte desse movimento?
Continuo querendo, com certeza. Tenho alguns projetos… acontece que com o cinema a gente nunca sabe ao certo quando vai rolar. Tem um pouco disso, também. Agora, mesmo, estou envolvida em dois outros projetos, um que talvez aconteça ainda nesse ano, outro provavelmente ficará para o ano que vem. Como não tenho uma autonomia, assim como tenho com a minha companhia de teatro, fico na dependência. Não sou produtora de cinema. Mas é algo que tenho vontade de buscar, cada vez mais. De realmente ir por esse caminho, no audiovisual e no cinema. De produzir as minhas coisas, para montar o que quero fazer, assim como faço hoje no palco. Enquanto isso não acontece, fico um pouco à mercê dos convites, do que foi acordado pelos outros. Tudo é difícil quando envolve tanta gente, como é pra fazer um filme, né?
Um que está pronto é O Beijo no Asfalto, que foi exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo no ano passado.
Sim, O Beijo no Asfalto é o que vai ser lançado nesse ano. A passagem pela Mostra de São Paulo foi muito legal. E agora tá participando de festivais, e depois disso, ainda em 2018, vai acontecer o lançamento nos cinemas.
Falando em O Beijo no Asfalto, que você aparece como uma das protagonistas, o diretor é o Murilo Benício, teu marido. Como foi trabalhar com ele?
Foi ótimo. Estava falando dessas parcerias artísticas, e como elas funcionam bem. Assim como acontece com o Rafael, que é um parceiro de trabalho e amigo de muitos anos, o Murilo também é um cara com quem tenho uma parceria de trabalho muito boa. Tanto em cena como na vida. E, também, com ele me dirigindo. A gente se entende, se comunica bem. Com O Beijo no Asfalto, participei de todo o processo, porque a gente discutia sobre ele em casa, falava o tempo a respeito. Tava muito envolvida. Vi muito material que foi filmado, foi difícil de editar, pois tinha bastante coisa. Além da dramatização da história, toda aquela parte da mesa, dos atores reunidos, ficou incrível. Aquilo é o que permeia a história. Mergulhei de cabeça. E isso me deu mais vontade de estar também fora de cena, produzindo.
Na primeira montagem de O Beijo no Asfalto, nos palcos, quem fazia a Selminha era a Fernanda Montenegro, que está também na versão que vocês fizeram, agora em outro papel. Tê-la em cena foi intimidante?
A gente tem uma única cena juntas, no filme, e foi tudo o que conversamos. Fora daquilo não falamos a respeito. Eu tava muito aflita, é claro. Mas foi uma honra estar com ela, ali perto. O que ela e o Amir Haddad dizem naquela mesa é incrível, uma verdadeira aula. Esse filme é, mais do que qualquer coisa, necessário, e precisa ser lançado até para falar sobre o que a gente vai revivendo, no mundo e no país, pois parece que andamos em círculo. Estamos vivendo, agora, uma censura em relação à arte como nunca tínhamos visto, talvez só naquela época, quando o Nelson Rodrigues escreveu esse texto. Então, é importante voltar a falar disso. E tem também a importância de estarmos falando de um autor brasileiro, um dramaturgo que era para ser conhecido em todo o país, assim como Shakespeare é. A importância do Nelson às vezes se perde, somos muito falhos nesse sentido. Infelizmente. Estão tirando as aulas de Teatro e de Filosofia das escolas. Então, como vai ficar? A gente, nós, os brasileiros, continuamos falhando. E isso é parte da nossa cultura.
Você ficou satisfeita com o resultado do Beijo no Asfalto?
Fiquei muito. Fiquei feliz e orgulhosa do filme. Não foi fácil, a edição foi complicada, aqueles momentos da mesa, por exemplo, dariam um outro filme. Eram horas de conversa. Aquilo tudo foi muito incrível. Uma coisa única. O sentimento de satisfação e de ter feito parte de algo maior foi o principal.
Bom, pra gente encerrar: qual o pior clichê de amor?
Ah, acho que é ter medo do clichê. Fico com essa coisa em mente. Hoje em dia temos pensado muito nisso: “vamos fugir disso, vamos fazer uma novela, uma novela que não é novela, uma história de amor que não é muito história de amor”. Acho que não pode ter medo do clichê e contar a história da melhor maneira. Se for preciso abraçar o clichê, que assim seja feito. Mas, claro, sempre aberto às mudanças que acontecem no mundo e à nossa volta. A gente adora um clichê (risos).
(Entrevista feita ao vivo em São Paulo em abril de 2018)
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