John Howard Szerman é um cineasta inglês, há muito radicado no Brasil. Filho de judeus poloneses que viveram o holocausto, ele encontrou no nosso país tropical o porto seguro para desenvolver uma carreira profícua principiada em Londres, onde fez mestrado em cinema e TV na conceituada The Royal College of Art. Por aqui, John se associou a grandes nomes locais, como Glauber Rocha, para quem desempenhou a função de cinegrafista no cultuado A Idade da Terra (1980). Ao longo de sua trajetória, trabalhou, também na televisão e foi fotógrafo de figuras importantes da MPB, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes e Jorge Ben Jor, ou seja, sempre esteve presente no circuito artístico tupiniquim. Com Santoro: O Homem e Sua Música, documentário escrito, fotografado e dirigido por ele, promove o resgate do compositor, músico e maestro Claudio Santoro, artista incontornável da cultura brasileira do século XX. John conversou conosco por telefone, direto do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, sobre a relação com o cinebiografado. Confira mais este Papo de Cinema exclusivo.

 

Como se deu o seu contato com a obra de Cláudio Santoro?
Tive o primeiro contato com ele, rapidamente, em 1980 ou 1981, não lembro ao certo, num festival de música contemporânea no Rio de Janeiro. Minha esposa, na ocasião, tinha um primo que o conhecia. Ele nos apresentou. De cara, Cláudio foi muito simpático. Estudei contrabaixo quando garoto, ou seja, possuí algum contato com a música. Mas, sabia praticamente nada da obra do Cláudio. Em 2009, houve um evento em Brasília, no Centro Cultural Banco do Brasil, que comemorava seu centenário e lembrava os 20 anos de sua morte. Lá encontrei a sua viúva, Gisele, que sugeriu-me fazer algo audiovisual, para ele não cair no esquecimento.

E os passos seguintes?
Gravei esse evento que aconteceu durante quatro dias, em dois fins de semana. Portanto, já tinha material. Registrei posteriormente mais componentes. Obviamente, acabei utilizando alguns, outros não. Me debrucei sobre disso, com a Gisele contando várias coisas a respeito dele, da vida pessoal e das composições. Resolvi chamar o Alessandro, filho do Cláudio e expert, conhecedor profundo do legado do pai, para fazer a direção musical. Ele dividiu sua obra em quatro fases. Posteriormente, escolhemos as principais peças de cada fase e procuramos quem pudesse interpreta-las. Trabalhamos com quatro orquestras, e também comprei material de um ensaio em Berlim.

 

John, por que era importante para você retratar esse grande artista brasileiro?
A Gisele encontrou cerca de 14 fitas que Claudio havia gravado. Era um material solicitado por uma amiga que morava no exterior, cuja intenção era fazer um livro sobre ele. A partir dessas fitas fui conhecendo mais profundamente a vida desse homem notável. Quanto mais desvendava o Claudio, mais me interessava. Apaixonei-me pela figura. Achava todas as composições geniais. Ele foi o músico brasileiro que mais explorou diferentes técnicas. Apenas comparável ao Stravinsky em âmbito mundial.  Foi precursor da Bossa Nova. Na fase europeia começou a curtir musica eletrônica. Em pouco tempo, virou regente da faculdade de música onde trabalhava na Alemanha. Quem o conhecia, sabia: era gênio. Interessei-me realmente por ele e me envolvi com isso durante três anos. Gravamos tudo com equipamentos de muitíssima qualidade, pois queríamos fazer jus ao legado do Cláudio.

 

Você dá muito espaço à obra de Cláudio em meio às entrevistas. Como se deu esse processo de construção narrativa? Qual era a sua intenção principal?
Desde o inicio havia a intenção de privilegiar as composições, mas isso foi se aprofundando na medida em que filmamos, conforme interagíamos com as orquestras e os musicólogos. O maestro Júlio Medaglia, por exemplo, era muito amigo dele, tanto que lhe dava até a chave de sua casa em São Paulo. Conversar com gente assim, que conhece a música do Claudio, também levou a esse direcionamento. Mas, incrível, diversas pessoas, inclusive do meio, não tinham contato. Claudio era manauara, mas o próprio regente da Amazonas Filarmônica desconhecia a sua obra. Quando começamos a colaborar, ele ficou embevecido. Portanto, a intenção de privilegiar as peças musicais norteava desde o início, mas foi cada vez mais prestigiada.

O Santoro é abertamente uma celebração. Você não encontrou, durante as pesquisas, passagens controversas ou simplesmente optou por não utiliza-las?
Encontrei vários momentos complicados. Houve até certa resistência de alguns músicos, que não quiseram tocar certas peças dele. Determinados profissionais convidados declinaram por não gostar do Claudio. Ele, ou você ama, ou odeia, não tem meio termo. Muitas orquestras deixam de executa-lo, pois acreditam que suas composições são muito complexas. A Margarita Chtereva, da Amazonas Filarmônica, não tinha entendido a partitura original, não sabia como fazer aquilo no violino, tamanha é a riqueza da composição desse grande artista brasileiro. Mas, resolvi não colocar isso para evitar o desvio do foco do filme.

 

(Entrevista feita por telefone, numa conexão Rio de Janeiro/São Paulo, em março de 2018)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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