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Um dos mais importantes músicos eruditos do Brasil tem a sua careira revista através de depoimentos seus, em material de arquivo, e de seus amigos e familiares, além de fãs e biógrafos. Autor de mais de 600 obras, Claudio Santoro compôs por mais de 50 anos, dos quais o filme busca fazer um apanhado do melhor e mais relevante.

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No cinema, principalmente no formato documental, é muito fácil confundir criação com criatura. Por exemplo, escolhe-se determinada personalidade, artista, celebridade ou feito para debruçar-se o olhar, e a partir deste momento é comum confundir os méritos do retratado com os do próprio resultado cinematográfico. Mais ou menos o que acontece com o documentário brasiliense Santoro: O Homem e sua Música, único representante local selecionado para a mostra competitiva nacional de longas-metragens do 48° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O resultado visto na tela, no entanto, a despeito dos méritos do músico e maestro Claudio Santoro, indicam que a escolha deste filme para integrar tão seleta lista se deve muito mais a uma necessidade de preencher uma cota regional do que por qualidades intrínsecas ao trabalho.

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Claudio Santoro (1919-1989) foi um dos maiores nomes da música erudita no país. Autor de mais de 600 obras em cerca de cinquenta anos de carreira, enfrentou todos os percalços comuns às mentes inquietas. Foi perseguido pela Ditadura Militar, precisou se refugiar na Europa para seguir trabalhando, foi responsável pela criação do Departamento de Música da Universidade Nacional de Brasília, homenageado no Brasil e no exterior e levou uma vida dedicada à arte e ao inconformismo criativo. Da mesma forma, casou-se mais de uma vez, deixou três filhos – todos ligados ao universo artístico – e se dedicou, em mais de um momento de sua trajetória, à outras expressões, como as artes plásticas ou à música eletrônica. Conteúdo possível de ser apreendido no longa dirigido por John Howard Szerman – ou numa rápida pesquisa na Wikipedia, por exemplo. Mas e tudo aquilo além do óbvio, onde foi parar?

A explicação é bastante simples: Santoro: O Homem e sua Música é um trabalho encomendado pela própria família do homenageado. Assim sendo, 98% do narrativa é composta por elogios ao seu trabalho e à grande pessoa que foi em vida, construindo um retrato absolutamente plano e irretocável. Não há registro, por outro lado, a respeito das controvérsias que envolveram seu nome, as polêmicas que travou com o governo, imprensa e colegas, quais as dificuldades que enfrentou e como era no trato íntimo durante as situações mais críticas – que não foram poucas, como se percebe. Tudo é narrado de modo muito linear, assumindo um registro feito exclusivamente para enaltecer tanto a pessoa quanto, principalmente, o artista. Ganha-se uma lição unidimensional de inegável valor informativo, mas de zero interesse cinematográfico. É de se questionar o que o próprio Santoro – que, entre outras atividades, chegou a compor também para o cinema, em filmes como O Saci (1951), de Rodolfo Nanni, e Rio 40 Graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos – pensaria deste resultado.

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Nascido em Londres, onde fez mestrado em Cinema, John Howard Szerman afirma ter trabalhado até com Jean-Luc Godard no início dos anos 1970. Mudou-se para Brasília há mais de duas décadas, e desde então tem desenvolvido sua atividade cinematográfica na capital federal. Seria inevitável que tomasse conhecimento da trajetória de Santoro, homem célebre na cidade – o teatro nacional leva seu nome, por exemplo – mas lamenta-se que não tenha tido distanciamento suficiente na elaboração deste projeto. Didático ao extremo, porém dono de um discurso convencional e ultrapassado, em que tudo é explicado até nos pormenores e cujos entrevistados estão ali apenas para corroborar uma tese – e não revelar novidades e outras facetas do biografado – Santoro: O Homem e sua Música resulta em uma obra de estrutura frágil e valor limitado. Para piorar, inviabiliza a possibilidade de surgir num futuro próximo um documento sério sobre o mesmo artista. Claudio Santoro levou uma vida inteira rompendo barreiras e perseguindo inovações. Exatamente o que não se vê neste filme equivocadamente dedicado a sua pessoa.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
2
Marcelo Müller
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MÉDIA
2.5

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