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Satisfeitos, acompanhamos o crescimento do mercado de animação no nosso país. Talentos não nos faltam. Alguns, como Carlos Saldanha, por exemplo, gozam de prestígio internacional, mas há muita gente valorosa cuja base criativa e profissional continua sendo o Brasil. Célia Catunda é uma dessas batalhadoras da animação, tendo em seu currículo a criação e o desenvolvimento de diversas séries para televisão, incluindo Peixonauta, sucesso absoluto, exportado para inúmeros países. Ela, criadora do conceito desse peixinho aventureiro junto com Kiko Mistrorigo (um dos três diretores de Peixonauta: o Filme), entende que a história é sempre o maior desafio no momento de fazer algo voltado aos pequenos. Já Rodrigo Eba! (assim mesmo, com exclamação), parte da trinca criativa, se preocupa em tornar a criançada parte da aventura, não a colocando num papel absolutamente passivo diante da tela. Essas e outras colocações estão na entrevista que Célia e Rodrigo gentilmente nos concederam. Confira a seguir.

 

Quais são os grandes desafios à criação de algo essencialmente infantil, seja na televisão ou no cinema?
Celia Catunda:
Acredito que o principal desafio é sempre relativo à história. Precisa ser algo que prenda a atenção da criança, que não a canse. É necessário que o tempo passe voando para ela. As crianças se guiam pela aventura, mais do que por qualquer outra coisa. Há uma grande responsabilidade de produzir para esse público. No caso do Peixonauta, tentamos sempre trazer conteúdo com bastante informação. É fantasia, mas baseado em fatos (risos), exatamente porque fala de meio ambiente, de poluição, da natureza.
Rodrigo Eba!: Sempre tivemos a preocupação maior com a história. Com em todos os episódios da série televisiva. Mas aqui há um desafio a mais, que é exatamente algo com uma duração maior.

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Rodrigo Eba! e Célia Catunda. Crédito: Anna Luiza Müller

A que fatores vocês atribuem o sucesso do Peixonauta com a criançada?
Célia:
Como personagem, ele sempre teve uma empatia muito grande com as crianças. Há duas coisas fortes: a forma, já ele é redondinho e simpático, e a coisa curiosa de ele ser um peixe com um escafandro cheio de água, que sai do mar para conhecer o mundo, para descobrir novas possibilidades. Isso gera curiosidade.
Rodrigo: A descoberta das coisas pelo Peixonauta é muito importante, e nos guiamos por fazer isso não de uma maneira verticalizada, de cima para baixo. Tentamos incluir a criança/espectador nesse processo, até porque entendemos que isso ajuda a desenvolver a postura mental da garotada.

 

Em Peixonauta: O Filme não existe a figura de um vilão, mas uma situação adversa a ser resolvida. Falem um pouco sobre essa opção.
Célia:
Isso já era um conceito da série, desde o início, e sempre representou um desafio enorme em termos de roteiro, mas é importante para nós. Na televisão lidávamos com crianças menores. Acreditamos que este filme abranja uma fatia maior de público, que possa se comunicar com espectadores maiores. As crianças mais velhas vão se divertir, também. Mas queríamos nos manter fieis à ideia original. Como o conceito principal é a sustentabilidade, os vilões somos nós mesmos, que gastamos água demais, que compramos carros demais. Nesse sentido, temos uma coisa mais madura, menos maniqueísta, de não opor o bem e o mal personificados.
Rodrigo: Também sempre acreditei que o vilão não era necessário. Trazer responsabilidade para a gente mesmo é imprescindível. É muito fácil culpar alguém por um desequilíbrio ambiental, por exemplo, quando na verdade isso é o resultado de algo coletivo, bem maior.

 

E o desafio de trabalhar com a linguagem do 3D?
Rodrigo: Na verdade, tivemos de descobrir muita coisa. Foi um processo interessante, no qual aprendemos muito. Foi realmente desafiador. Fizemos um 3D que não descaracteriza os personagens, já que eles continuam sendo em 2D, mas distribuídos num ambiente tridimensional. Pesquisamos muito, boa parte foi na base da tentativa e do erro. Temos bastante orgulho do resultado.
Célia: A série é toda em 2D, por isso foi necessário pesquisar a linguagem. Não queríamos correr o risco de perder a identificação do público com as figuras, por isso buscamos um caminho intermediário. Os personagens bidimensionais em cenários tridimensionais. Nosso 3D é sutil, até porque as crianças são as primeiras a reclamar do 3D nos cinemas, muitas se sentem incomodadas. Fizemos exibições em festival e as crianças adoraram ver o filme.

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Porque esse longa-metragem vem com o subtítulo “O Filme”, se já houve uma versão cinematográfica anterior das aventuras do Peixonauta?
Célia:
Peixonauta: O Agente Secreto da O.S.T.R.A, de 2012, na verdade, era basicamente uma coletânea de episódios amarrados numa história de formação, que mostrava como o Peixonauta tinha virado agente. Foi um produto mais para plataforma VOD, televisão, tanto que fizemos um lançamento pequeno para cinema, exatamente porque nessa área não tinhamos uma expectativa muito grande. Na verdade não era um filme, eram episódios, ao contrário deste, que teve um roteiro feito para cinema, composições próprias. Este foi todo pensado para passar na tela grande.

 

Como vocês percebem o momento atual da animação brasileira, que recentemente completou 100 anos, inclusive no que diz respeito ao mercado?
Célia:
Realmente estamos num momento muito legal, de franco crescimento. Mas ainda escutamos muitas pessoas falarem que tal coisa é boa, apesar de ser brasileira. Persiste no público uma impressão ruim. O cinema de animação tem dificuldade de distribuição, por exemplo, mas estamos mudando isso. Há um esforço muito grande de todo mundo que trabalha na área para propor politicas de fomento. Acredito que esteja funcionando. É necessário trabalhar o mercado global, a animação precisa ser global para ser sustentável.
Rodrigo: Temos muito talentos e capacidade criativa e isso nos coloca numa posição interessante, até aos olhos do público internacional. A animação brasileira já ganhou dois prêmios em Annecy (principal evento de animação do mundo), temos as séries exportadas para diversos países, e isso mostra que temos talentos de sobra por aqui.

(Entrevista concedida por telefone, direto de São Paulo, em janeiro de 2018)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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