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Bel Friósi nem sempre quis ser atriz, mas todos os caminhos a levaram a ser. Na adolescência, desejava ser modelo. Nascida em Votuporanga, região noroeste do estado de São Paulo, ela se mudou para a capital paulista em 2010, já para especializar-se na atuação, depois de ser aconselhada por gente que percebeu o seu potencial à interpretação. Muito estudo depois, Bel entrou na companhia teatral Os Satyros, uma das mais importantes e reconhecidas do Brasil. Estrelou diversas montagens, incluindo a controversa adaptação de A Filosofia na Alcova, texto incendiário do Marquês de Sade, datado de 1795, na qual encarna a jovem e puritana Eugénie, alvo da reeducação guiada pela libertação advinda dos prazeres da carne. Agora, ela reprisa essa personagem emblemática no cinema, estreando à frente das câmeras. Sua entrega ao papel é evidente, aliás, uma das forças do filme dirigido por Ivam Cabral e Rodolfo Garcia Vázquez. A atriz gentilmente nos atendeu para esta conversa exclusiva. Confira o nosso bate-papo.

 

Houve algo particularmente desafiador em fazer A Filosofia na Alcova?
A cena da morte da mãe, para mim, foi bem difícil. Nunca havia trabalhado com cinema antes, mas pelo que estudei e pesquisei, por conta das conversas que tive com gente experiente na área, sabia que era muito difícil ter uma cena de morte, assim, em plano-sequência, sem cortes nem edição, a não ser a pós-produção corrigindo a cor. Essa cena tão forte, feita de tal maneira, foi um grande desafio. Gravávamos numa fábrica, sempre de madrugada. Já estava quase amanhecendo, próximo das 5h da manhã. Fizemos duas ou, talvez, três tomadas. Foi a cena que realizamos com mais pressa. Sobre a nudez, eu já estava acostumada em virtude da peça. Os atores tinham intimidade, então isso não foi realmente um problema.

 

Qual a diferença principal de interpretar a Eugénie nos palcos e nas telonas?
A voz. No começo, era bem fina e infantilizada. No fim, grave e rouca. Isso para que as pessoas notassem a mudança. Dois anos fazendo a peça, então, às vezes, eu me pegava infantilizando demais a voz. Já em relação à câmera, me senti muito travada no início, por conta das limitações de corpo, mas depois descobri que tinha mais a ganhar do que a perder, pois não era necessário exagerar tanto. Estávamos tão dentro do espetáculo, que não foi problemática essa transição. O Rodolfo e o Ivam (os diretores, tanto da peça quanto do filme) nos deram muita liberdade. Aliás, há cenas em que a marcação é a mesma do teatro. A preparação é que foi mais complicada, sobretudo para tirar o exagero de voz, os sotaques, para adequar isso ao cinema, para retrabalhar o que não funcionaria fora do teatro.

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Com o colega Henrique Mello em cena de ‘A Filosofia na Alcova’ – Crédito Andre Stefano

Por que você acha importante atualmente resgatar os escritos controversos do Marquês de Sade, levando-os ao teatro e ao cinema?
Para a gente perceber que, ao invés de evoluir, estamos regredindo. Trazer Sade depois de tanto tempo de volta é necessário. Constatar que ele ainda é absolutamente atual, se torna uma vergonha. Abordar novamente Sade é bom para as pessoas se tocarem que não evoluímos muito. Ele é quase um profeta, anteviu muita coisa.

 

O que mais te atrai na Eugénie, essa menina que vai perdendo a inocência e se tornando mulher?
Nossa, acho ela tão incrível. Foi o maior presente que ganhei até hoje. Além do trabalho como atriz em si, que te possibilita tantas coisas, ela é uma personagem completamente apaixonada, independentemente de que forma ela leva essa paixão. Isso me encantou. No filme, acredito que ela acabe se arrependendo de algumas coisas, no fim das contas. A Eugénie se entrega ao momento, sem pensar nas consequências. Acho isso bonito. Hoje tudo é tão controlado, as pessoas são tão racionais, no pior sentido dessa expressão.


Vocês esperam que tipo de reação a essa afronta que o filme faz à onda retrógrada e moralista que toma de assalto o mundo atualmente?
Conversamos bastante sobre isso. Até achamos que seria interessante tirar a peça de cartaz. Sei lá, ficamos com receio de aparecerem pessoas indignadas na porta. Qualquer um pode chegar lá, no teatro, e zoar com a nossa cara. Uma vez no teatro, fica fácil para nos localizar. Mas não chegamos à conclusão alguma. Estamos esperando para ver o que vai dar. Pode acontecer uma coisa muito incrível, que o filme seja bem recebido, ou um desastre total, que tenhamos de fugir do cinema (risos). Por ter o nome do Sade, acredito que já vai dar uma peneirada. O filme, então, tende a chamar a atenção de quem já conhece a obra dele, além dos curiosos. O que é, também, uma pena, pois as pessoas deveriam assistir para serem confrontadas. As possíveis repercussões negativas e/ou violentas me assustam não somente como artista, mas, principalmente, como mulher.

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Encarnando Eugénie – Crédito de André Stefano

Principalmente como mulher?
A Eugénie mata, trepa com todo mundo, se masturba, então tenho um pouco de medo nesse sentido. Penso se alguém vai tentar me agredir ou algo assim. Por conta da peça, já recebi mensagens bem esquisitas, inclusive convite para fazer filme pornô! Uma colega de elenco foi perseguida depois de uma apresentação por um desconhecido que tentou ficar com ela à força. Há um peso maior sobre as mulheres. Quanto aos homens do elenco, no máximo vão falar do tamanho do pau deles, o que já é bem machista. Mas, quero acreditar que o filme vai render bons frutos, tem muita gente interessante no mundo, embora baste uma pessoa para fazer um estrago enorme na nossa vida.

 

Que tipo de personagem te atrai?
Os fodidos (risos). Acredito que todo mundo é muito racional o tempo todo. Sou de uma geração em que a maioria das pessoas se preocupam com aparências, com a repercussão de suas postagens no instagram, com quantas curtidas elas têm. Sou de uma cidade pequena, meus pais sempre foram incríveis, mas cresci perto de outras pessoas que pregavam a necessidade de ser sempre feliz e bem-sucedido. É uma opressão isso de ter de ser feliz o tempo todo. Quando um personagem desses (os fodidos) vem à tona, é quase uma libertação. Você pode ser quem é. No meu dia a dia não posso ser mal-humorada, falar palavrão, qualquer coisa que esteja fora dos padrões. Então, quando chega um papel desses, encaro como a oportunidade de viver um ser humano de verdade, com erros, que faz cagada, que se permite ser infeliz e perturbado. Eu saia leve do A Filosofia na Alcova, era uma delicia.

(Entrevista concedida por telefone, direto de São Paulo, em novembro de 2017)  

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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