Produtor, diretor e roteirista, Paulo de Moraes Fontenelle estreou no cinema há cerca de uma década, quando lançou o documentário Evandro Teixeira – Instantâneos da Realidade (2003). Seus trabalhos posteriores, o também documentário Sobreviventes – Os Filhos da Guerra de Canudos (2007) e a ficção Intrusos (2010), seguiram sem uma maior repercussão junto ao público. Este cenário, no entanto, tem tudo para mudar a partir desse ano, quando Fontenelle lança nos cinemas de todo Brasil a comédia Se Puder… Dirija!, largamente anunciada como a primeira produção com atores a ser filmada no nosso país fazendo uso da tecnologia 3D. E foi sobre esse longa mais recente, sobre as inovações no cinema brasileiro e sobre o que é preciso para se comunicar com uma audiência mais ampla que o cineasta conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Como Se Puder… Dirija chegou até você? Foi através de um convite dos produtores ou é uma história original sua?
Este é um projeto pessoal meu. Ele surgiu a partir de uma ideia que tive ao passar por uma situação similar àquela que é vista no filme. Certo dia cheguei em um estacionamento e, após deixar meu carro lá – onde ele ficaria o dia inteiro, pois só o buscaria no final do dia – fiquei imaginando o que poderia acontecer caso alguém decidisse usá-lo sem a minha permissão. Claro, imaginei tudo que poderia dar errado para essa pessoa, e a partir daí que comecei a elaborar a história de Se Puder… Dirija.
Mas como a questão familiar foi introduzida nesse contexto?
Bom, a situação inusitada do carro andando pela cidade sem que o proprietário soubesse foi só o início. Precisava do toque humano, daquele elemento que permitisse a identificação com um público maior. Foi aí que surgiu a ideia dessa tentativa de aproximação entre pai e filho, dessa reconquista. Quando esbocei a primeira versão do roteiro, conversei com a Valquíria Barbosa, da Total Filmes, e ela se apaixonou imediatamente pelo projeto. Foi dela que veio a iniciativa de fazer o filme em 3D, e durante o processo tive que readaptar a trama para poder encaixar essa nova tecnologia. Não queria que fosse algo gratuito, mas que engrandecesse em efeitos e também colaborasse com a dramaturgia. É através do 3D que o público irá se sentir imerso na história.
Foi muito complexo o aproveitamento do 3D?
Quando iniciamos esse projeto foi bem no boom do 3D. Todo mundo só falava nisso, e penso que o Brasil não poderia ficar para trás. Mas também não poderíamos fazer qualquer coisa, e por isso fomos conversar com quem entendia do assunto. Fomos aos Estados Unidos, conhecemos técnicos de lá e aprendemos na prática como aproveitar esse novo efeito. Queríamos embarcar nessa onda que estava se espalhando pelo mundo todo. Creio que o filme que nos fez mudar de ideia, de que o 3D não era apenas para animações e blockbusters, foi o A Invenção do Hugo Cabret (2011), do Martin Scorsese. Ele ofereceu um diferencial a um estigma que estava ficando desgastado. Assim, percebemos como aproveitar o 3D em uma história como a do Se Puder… Dirija, tudo sobre o nosso olhar, ajudando na trama.
Quais foram as maiores dificuldades nesse processo?
Decidir fazer um filme em 3D, naquele estágio em que estávamos, significava abraçar um desafio. O 3D bem feito é ótimo, mas o mal feito era perigoso e nos colocaria na mira de julgamentos muito críticos. Foi por isso que sentimos a necessidade de nos especializarmos. Eu, pessoalmente, fiz diversos workshops, estudei tudo o que podia sobre o assunto. A decupagem, num filme assim, precisa ser muito planejada, e é preciso evitar ao máximo que o tiro saia ao contrário do que imaginávamos. Se não for bem feito, tudo o que se consegue é dor de cabeça e desconforto para o espectador. E isso precisávamos evitar a todo custo. O 3D, quando desconfortável, muda o posicionamento ocular de quem o assiste, foi no sentido de evitar esse desgaste que trabalhamos. Para tanto, trouxemos dois profissionais dos Estados Unidos para coordenar esse trabalho junto com a nossa equipe brasileira!
Luiz Fernando Guimarães estava há quatro anos sem fazer cinema, enquanto que Leandro Hassum acabou de sair de um grande sucesso de bilheteria. Como foi combinar estas diferentes escolas de humor num mesmo filme?
A seleção do elenco foi feita tendo como base quem a gente achava que seria melhor para cada personagem. Foi uma feliz coincidência termos conseguido juntar um grupo como esse. O Luiz, por exemplo, é um ator excepcional, foi muita sorte ele estar disponível. Já o Leandro, que é um comediante sem igual, é meu amigo pessoal há anos, sempre quisemos trabalhar juntos. Com isso em mente, fomos completando o cast, com nomes como o Eri Johnson, o Reynaldo Gianecchini, e ainda assim formando um time que fosse homogêneo. Você acredita nas interpretações de todo mundo. Estou super feliz com o resultado das atuações. Só o fato de termos o Luiz e o Leandro como uma dupla já foi um grande ganho. As sequências deles juntos talvez nem sejam as mais cômicas, mas ficaram ótimas e merecem ser destacadas.
Como foi criar, com o Luiz Fernando Guimarães, um personagem cômico diferente do Rui, de Os Normais?
Eu não consigo pensar nestes dois personagens como similares. Acho-os completamente diferentes entre si, o que só mostra a genialidade do Luiz. No meu ponto de vista, o Rui tem uma malandragem meio carioca, aquela coisa de se dar bem, que é muito diferente do João, que é quase um palhaço puro. Nosso protagonista é um cara de bom coração, até ingênuo, com uma vertente muito boa. É um herói clássico. Construímos o João como um pai, ainda que atrapalhado, mas que é levado pelas situações ao seu redor. E isso só foi possível porque contávamos com o Luiz Fernando Guimarães, um cara que é capaz de fazer qualquer coisa. Se Puder… Dirija traz à tona também uma veia dramática do Luiz que há muito tempo não víamos.
Se Puder… Dirija remete a um estilo clássico de comédia, a de erros. Como foi a elaboração do roteiro e quais foram suas principais referências?
Até chegarmos à versão que foi filmada passamos por vários tratamentos da história, nem sei te dizer quantos. Trabalhamos muito nos diálogos, no texto, nas situações, para deixá-las o mais crível e engraçadas possível. Eu sou um cara de cinema, sempre estive envolvido, então esse processo é meio que natural para mim. Trago muito de mim nos roteiros que escrevo. Sou fã da narrativa clássica, daquela imortalizada por feras como Charles Chaplin, Buster Keaton, e penso que o Se Puder… Dirija tem um pouco disso. É até meio que inconsciente, só fui me dar conta dessas influências depois que o filme já estava pronto.
Como você lida com a crítica?
Pra ser sincero, não penso muito nisso. Muitos anos atrás, fiz um documentário, o Sobreviventes – Os Filhos da Guerra de Canudos (2007), que foi um trabalho que me exigiu muito, levei anos para finalizá-lo. Ë um filme muito denso, sério. Quando o lancei, tive um retorno bacana da crítica, todo mundo elogiava. Até que um crítico específico reclamou que os personagens entrevistados deveriam ter sido legendados. Cara, era um nordestino de 108 anos, com uma história incrível, e reclamavam que ele não estava legendado. Ou seja, preferiu focar no detalhe, ao invés de visualizar o todo. Então, percebi que não tem como agradar a todos. Quero muito que gostem, faço meus filmes para serem vistos, comentados. Não os faço somente para mim. Mas, a partir do momento em que estão prontos, já não posso fazer mais nada. São do mundo.
O que Se Puder… Dirija tem de diferente dos seus filmes anteriores?
É uma comédia em 3D, né? Acho que isso já diz bastante sobre ele. Tem uma visibilidade maior, espero que faça contato com um público mais amplo. Espero que esse filme abra portas, me coloque em contato com outros trabalhos, e que possibilite que as pessoas me conheçam, vejam o que tenho a dizer. Quero fazer outras coisas, trabalhar com outros gêneros. O que importa é fazer filmes bons, ter acesso a roteiros legais. Esse é só o começo!
(Entrevista feita por telefone direto de São Paulo no dia 20 de agosto de 2013)
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