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Isabél Zuaa é filha de mãe angolana e de pai da Guiné-Bissau. Nascida em Lisboa, onde começou sua carreira de atriz e bailarina, veio ao Brasil por meio de um programa de intercâmbio cultural, integrou-se mais tarde ao grupo teatral de Gustavo Ciríaco, e despontou para o cinema interpretando um papel importante em Joaquim (2017), filme de Marcelo Gomes exibido no Festival de Berlim. Agora, surge como a protagonista de As Boas Maneiras (2018), longa-metragem dos cineastas Juliana Rojas e Marco Dutra. Clara, sua personagem, é contratada como empregada de Ana (Marjorie Estiano), passando rapidamente a ter contato íntimo com sua patroa grávida. Sonambulismos marcados por carnificinas mostram a Clara que existe algo insondável na natureza voraz da mãe e do filho em gestação. O instinto materno aflora e ela se vê obrigada a cuidar do menino-monstro, criatura frágil e atemorizante ao mesmo tempo. Isabél nos atendeu gentilmente para este Papo de Cinema sobre Clara, bem como acerca de sua relação com o cinema de horror e o Brasil. Confira este bate-papo exclusivo.

 

O que mais te chamou a atenção na Clara, sua personagem, na leitura do roteiro?
Foi o fato de ser uma mulher bastante misteriosa, de não sabermos muito sobre ela. Gosto de não ter ciência de tudo acerca das personagens que represento, da necessidade de imaginar coisas e deixar outras para que o espectador possa construir, também. Foi um enorme prazer fazer esse papel.

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Como foi o trabalho com a Juliana e o Marco?
Foi muito bom. São duas pessoas bastante diferentes e, por isso mesmo, se complementam. Juliana e Marco são muito sensíveis, humanos. No set, compartilhávamos dúvidas e anseios, o que propiciava momentos de nutrição mútua. Tenho enorme confiança neles. No período de ensaios questionávamos algumas coisas e os dois sempre queriam ouvir as nossas opiniões, embora o roteiro estivesse fechado, já no último tratamento. As mudanças ocorriam com consciência e cuidado. Algumas sugestões eram aceitas e incorporadas, outras não, normal.

 

Além de As Boas Maneiras, você está no elenco de O Nó do Diabo, filme que igualmente lida com o horror. Qual sua relação com o gênero?
Trabalhar logo em dois filmes de horror foi uma coincidência. Como espectadora, tinha receio do gênero, mas por culpa dos meus irmãos mais velhos, que me pregavam peças enquanto assistíamos à filmes de horror. Eles me assustavam. Por conta disso, criei um pouco de distância (risos). Mas, em virtude dos papeis, conferi as referências que os diretores me passavam. Ademais, assisti a algumas coisas que, para mim, fazem parte de um terror contemporâneo, como a série Black Mirror. Acho aquilo muito terror (risos).

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Com o cineasta Marco Dutra

Você ganhou o Prêmio Guarani do Cinema Brasileiro de Revelação 2017 por Joaquim. Como se sente com esse reconhecimento a uma carreira em plena ascensão no Brasil?
Para mim é muito gratificante. O Brasil foi o país que escolhi para morar, em 2010. Minha jornada por aqui tem sido extremamente próspera. Fiz várias coisas desde que me mudei. Colaborei durante cinco anos com um coreógrafo carioca, participei de peças, fiz meus monólogos. Ganhar o Prêmio Guarani me deixou muito emocionada. Primeiro, porque é um prêmio conferido pela critica. Segundo, por conta das pessoas talentosas com as quais concorri. É uma felicidade tremenda para uma portuguesa nascida no norte de Lisboa, filha de africanos, ter essas oportunidades de mostrar trabalho e ser reconhecida.

 

Como você percebe as demandas por maior representatividade de mulheres e negros no audiovisual como um todo, em meio a essa onda conservadora que assola o país?
Vejo essas demandas de forma extremamente positiva, embora muito ainda precise ser mudado. Me surpreendi quando cheguei ao Brasil, pois achei que o país era mais democraticamente racial. Mas, as coisas estão bem diferentes de 2010 para cá. Felizmente, não há como voltar atrás. A mulher precisa ter voz. No Rio de Janeiro, comecei um trabalho na Universidade Unirio sobre a representatividade da mulher negra, sem os estereótipos. Chegamos num momento em que não dá mais para permanecermos caladas. Temos de contar nossas histórias, não devemos mais ser hipersexualizadas. A mulher negra não pode ser vista como o fim da cadeia alimentar. Se tantas mulheres negras produzem, mesmo com essa quantidade de empecilhos, imagina se elas estivessem em pé de igualdade. Não queremos ser superiores. Queremos igualdade e respeito.

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Contracenando com Marjorie Estiano

O que você pode falar da Catarina, sua personagem de Um Animal Amarelo, filme do Felipe Bragança que atualmente está em pós-produção?
Não tive acesso ao roteiro todo. No filme, interpreto uma mulher moçambicana que dá um jeito de ir a Portugal, e aí acontecem várias coisas. Acho que não posso dizer muito mais que isso (risos). Ela tem uma maneira nada convencional de viver a vida, vai sobrevivendo. Como realmente não tive acesso ao roteiro, tentava entender a trama como um todo. O Felipe foi super atencioso, amável, nos tratou muito bem. Além disso, foi uma experiência incrível filmar em Moçambique e Portugal.

 

(Entrevista concedida por telefone, numa ponte São Paulo/Rio de Janeiro, em maio de 2018)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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