Crítica
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Sinopse
Quando uma jovem mãe de família comete um crime nefasto em público e se vê incapaz de explicar o motivo que a levou aquele estado de fúria súbito, um investigador se torna cada vez mais obcecado em entender as profundezas da psique dessa mulher. Assim, ele desenterra momentos de violência que ela tenta manter no passado.
Crítica
Uma família feliz. Ao menos é essa a impressão que o espectador tem ao se deparar com Mason e Cora Tannetti pela primeira vez. Os dois acordam prontos para mais um belo dia, ao lado do filho recém-nascido que, depois de muito tempo, deu uma noite de descanso aos pais novatos. Após beijos e sorrisos, saem da cama animados para mais um dia juntos. Há sol lá fora, e o clima ameno pede por um passeio. O lago é o destino escolhido, junto a uma farta cesta de piquenique. Tudo está correndo bem, até que uma canção começa a tocar. Obviamente, não foram os únicos a escolher aquele lugar para curtir essa folga. Há apenas alguns metros de distância, um grupo de jovens se diverte. O som nem está tão alto assim, mas não é o volume, e sim a música que irá mexer com a psique de Cora. Por isso, na frente de todos os que também estão ali reunidos, ela se levanta, munida de uma faca afiada, caminha até os estranhos e, sem dizer qualquer palavra, assassina com diversos golpes um dos rapazes. Em The Sinner, ninguém duvida do que ela fez. A grande questão, portanto, é sobre quais teriam sido os motivos que a teriam levado a tal atitude. E por essa pequena mudança de perspectiva o seriado já mostra seu valor.
Interpretada por Jessica Biel, atriz que nunca havia dado qualquer indício de versatilidade – sua carreira até então havia sido dividida entre a gostosona sedutora em comédias como Idas e Vindas do Amor (2010) ou em aventuras como Esquadrão Classe A (2010). Desde que se casou com o astro pop Justin Timberlake, tem demonstrado uma conduta mais reservada, escolhendo com cuidado os projetos que decide participar. E se seu status de protagonista parecia ameaçado na tela grande, foi nas produções voltada ao consumo caseiro que encontrou uma plataforma para explorar esse talento até então insuspeito. Exatamente o que se verifica como Cora Tannetti em The Sinner. Alternando momentos de puro pânico com outros de absoluta resignação – ela não nega o crime que fez, ao mesmo tempo em que admite não ter a menor ideia do que a levou a cometê-lo – é na sua determinação em descobrir a verdade a seu próprio respeito em que residirá a empatia angariada junto ao espectador, que mesmo estando ciente da violência pela qual ela é responsável, ficará ao seu lado até o final dessa jornada de oito episódios. Como resultado, a atriz conquistou suas primeiras indicações ao Emmy, Globo de Ouro e Critics Choice.
Tal torcida que a personagem desperta vem muito do trabalho da atriz, é claro, mas também da construção pela qual passa Cora Tannetti. Afinal, ainda que seja a agressora, em nenhum momento deixa também de ser vítima. É claro que há algo de muito errado com ela. Mas o que seria? Quem assume a missão de descobrir a verdade por trás do fatos é o detetive policial Harry Ambrose (Bill Pullman, conseguindo usar o avanço de sua idade a seu favor). Desacreditado em casa – seu casamento está em evidente crise – e desmotivado no ambiente profissional, identifica nesse caso aparentemente inexplicável a oportunidade pela qual há muito estava esperando. Ninguém mais parece ver aquilo que pode estar escondido por trás de atos tão violentos. Justamente por isso, ele se diferencia dos demais e acaba assumindo com tranquilidade um papel já muito visto, mas que não deixa de guardar carisma quando elaborado com tranquilidade e sutileza. Ele não tem pressa em chegar a uma resposta óbvia. Afinal, se The Sinner fosse a respeito de conclusões imediatas, não seria necessário mais do que meio episódio para que uma conclusão fosse apresentada, independente da sua validade ou não.
Uma questão interessante que merece ser observada com atenção é o próprio nome da série criada por Derek Simonds (um dos roteiristas da minissérie When We Rise, 2017, e produtor do premiado Me Chame Pelo Seu Nome, 2017) a partir do livro de Petra Hammersfahr. The Sinner, ou O Pecador, é uma alcunha que muitos dos personagens podem carregar em diferentes momentos da história. “Não matarás” é um dos principais mandamentos, e é óbvio que Cora foi a primeira a pecar. Mas Harry possui uma amante (“não cobiçarás a mulher do próximo”), o marido da protagonista mora com os pais e vive em constante conflito com eles (“respeitarás pai e mãe”) e muitos dos suspeitos que vão sendo interrogados são pegos em contradições (“não levantar falso testemunho”). Com uma narrativa que transita por diferentes momentos temporais, presente, passado e uma época ainda mais distante vão constantemente se confundindo. Assim, descobrimos que Cora tinha uma irmã doente que invejava seu estilo de vida ( “não cobiçar as coisas alheias”), além de ex-namorados que a usavam em uma rede de sexo e intrigas (“não pecar contra a castidade”).
Como se percebe, o teor religioso é constante em The Sinner, e abordado na maior parte das vezes com um forte viés crítico. Talvez o personagem que melhor exemplifique essa questão seja a mãe de Cora, Elizabeth (Enid Graham, de Boardwalk Empire, 2010-2011). Sempre envolta em rezas e súplicas, perde tanto tempo implorando por algo que não está ao seu alcance – como a cura da filha que sofre de uma doença incurável – que acaba não percebendo a própria família, ignorando as traições do marido e desprezando os esforços da primogênita. A religião está presente, mas de forma que coloca em evidência o quão prejudicial pode ser quando trabalhada de forma descuidada, limitadora e autossuficiente. A trajetória de Cora em busca de uma redenção que ilumine seus atos e os caminhos que a levaram até onde hoje se encontra, assim como os necessários passos dados por Harry atrás de aceitação e confiança também compõem o tecido sobre o qual a trama vai se estruturando.
Com direção geral de Antonio Campos (cineasta nova-iorquino, filho do jornalista brasileiro Lucas Mendes), The Sinner tem o mérito de apresentar dois protagonistas potentes – Cora e Harry – dos quais nenhum dos espectadores irá esquecer tão cedo, além de propor uma inversão de expectativas que cai bem ao subgênero whodunit, ou seja, quem foi o culpado? A partir do momento em que o responsável pelo crime é a primeira coisa a ser elucidada, todas as demais questões, que em outras situações surgiriam naturalmente, passam a ser os verdadeiros segredos a serem desenvolvidos, não apenas no modo como serão revelados, mas também em suas construções e de que forma irão influenciar no desfecho anunciado lá no começo. E como se isso não fosse o bastante, ainda consegue aproveitar dois atores tradicionalmente subestimados, aqui entregando as melhores performances de suas carreiras. Um belo quebra-cabeça, que mesmo que não seja muito mais do que isso, como tal ainda é garantia suficiente de bons momentos de engenhosidade e entretenimento.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 7 |
Sarah Lyra | 7 |
Lucas Salgado | 7 |
MÉDIA | 7 |