Crítica


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Sinopse

Antes, Otis não conseguia se masturbar. Agora, vencido esse problema, ele tem outro, que vai no sentido oposto: não consegue parar de se masturbar. Em meio a isso, a escola é assolada por um suposto surto de clamídia e Maeve precisa decidir se vai voltar à escola ou simplesmente desistir.

Crítica

Na primeira temporada de Sex Education, Otis (Asa Butterfield), o protagonista, sofria com uma dificuldade para masturbar-se – na verdade, ele sequer conseguia praticar. Agora, a julgar pelo ótimo episódio inaugural do segundo ano, ele precisará lidar com um transtorno exatamente oposto, não menos potencialmente angustiante. Uma vez liberto de determinadas travas que o impediam de expressar individualmente sua sexualidade, ele tem ereções em momentos inoportunos, frequentemente recorrendo à boa e velha punheta para aliviar-se. A série precisa deste paradoxo, o adolescente que ajuda seus colegas com conselhos relacionados às suas vidas íntimas ao passo em que é acossado por problemas nessa seara. É mais ou menos o que acontece em Shortbus (2006), filme no qual uma terapeuta sexual não tem orgasmos. Tal dinâmica separa a teoria da prática, colocando-as no seu devido lugar, não as atrelando de maneira simplória ou taxativa.

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Ao redor de Otis gravitam coadjuvantes cujas singularidades continuam permitindo discussões que dizem respeito, de modo praticamente universal, ao período de transição entre a infância e a vida adulta, em que o conhecimento parece travar uma constante batalha com a necessidade de afirmação social. É justamente em torno da ignorância sobre uma DST que a trama principal se desenvolve nessa parcela inaugural. Diversos alunos são diagnosticados com clamídia e o ambiente secundarista é tomado por uma espécie de histeria coletiva, com, por exemplo, usuários de máscaras acreditando no artefato enquanto bloqueador de algo que, sequer, é transmitido pelo ar. O jovem, que pretendia deixar definitivamente as consultas regulares, precisa, então, um tanto aliviado, voltar paulatinamente à atividade para prestar valiosos serviços àquela comunidade.

Sex Education mantém o frescor da abordagem dessas engrenagens que concernem ao sexo, evitando qualquer solenidade, mas tampouco incorrendo em banalizações. Guiada por um olhar que mescla seriedade e leveza, há uma vontade de efetivamente colocar determinadas pautas em jogo. De maneira consistente, destituída de amarras conservadoras, o sexo é transformado num catalisador para escrutinar essa juventude inglesa que poderia, com pequenas adaptações, representar grupos etários equivalentes noutras partes do mundo. Esse primeiro episódio trabalha com a ausência de Maeve (Emma Mackey), mostra que sem ela o “terapeuta” não conseguirá seguir adiante. Eles são uma dupla tão bem entrosada quanto a que Otis forma com o seu melhor amigo, Eric (Ncuti Gatwa), um coadjuvante essencial que, ao que tudo indica, deve continuar esbanjando carisma. Já a crush do protagonista não se restringe ao papel de mero interesse amoroso porque é expandida.

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Um dos grandes méritos de Sex Education, aliás, é que os coadjuvantes imediatos, e alguns não tão achegados assim, têm preservadas e potencializadas as suas subjetividades, o que permite sinalizações frequentes às questões essenciais à construção macro de uma narrativa fundamentada nessa investigação das dores e amores de ser adolescente. Chama a atenção, de cara, a continuidade da observação de Jackson (Kedar Williams-Stirling), o esportista pressionado por uma de suas mães a ser um atleta de alto rendimento. A atitude desesperada do garoto, que culmina com sua internação hospitalar, aponta diretamente às consequências das expectativas exacerbadas, algo que, de formas distintas, pode ser aplicado ao desempenho sexual, social e pessoal dos personagens. Gillian Anderson continua impagável e certa manifestação deve permitir uma nova dinâmica de conflito com o filho. Afinal de contas, quem gostaria de ter sua mãe falando de sexo na escola?

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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