Crítica
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Sinopse
Martin se envolve com Lucas num canto remoto do litoral paulista. Os dois estão investigando o desaparecimento de um amigo de infância de Martin. As pistas levam os dois curiosos a uma ópera escrita com sangue humano.
Crítica
As primeiras imagens de Verão Fantasma têm textura de vídeo caseiro. E isso acontece porque elas precisam evocar o passado, um período importante aos personagens dessa mistura ambiciosa entre terror e musical. Logo sabemos que a textura também serve para representar os sonhos de alguém. Portanto, devaneio e memória possuem as mesmas características visuais. Infelizmente, o cineasta Matheus Marchetti não investe na confusão entre essas instâncias de naturezas tão drasticamente distintas. O fato de ele utilizar as mesmas imagens para ilustrar sonho e passado soam mais como contingência de produção do que como ferramenta para embaralhar as camadas narrativas. O protagonista é Martin (Bruno Germano), jovem introspectivo isolado na casa abandonada que abrigou os verões de sua infância. Porém, esse estatuto de desaparecido é pouco explorado, servindo como simples dado de contexto. Num dia qualquer, sua prima, o namorado e dois amigos aparecem. Ao mesmo tempo, Martin conhece Lucas (João Felipe Saldanha), morador das redondezas que rapidamente se transforma num companheiro inesperável. Estamos no terreno dos fantasmas do passado, os literais e os metafóricos. E Matheus dá muito mais importância às almas penadas do que às lembranças.
Para começo de conversa, o desempenho do elenco compromete as pretensões dramáticas de Verão Fantasma. Bruno Germano constrói um personagem genérico a partir do isolamento. Há pouca matéria-prima se quisermos compreender quem ele é, porque está escondido do mundo, o que o faz encarar com desconfiança a aproximação dos outros. Os demais jovens do núcleo que podemos chamar de “os intrusos” também apresentam composições que oscilam entre a caricatura e a reprodução burocrática de arquétipos. Matheus Marchetti investe todas as suas principais fichas na mitologia feita de velhas histórias contadas e vividas na casa enigmática. Então, há causos de fantasmas, improbabilidades (como o sonho coincidente com as filmagens caseira), figuras que parecem fazer parte de outro plano de existência e ecos ruidosos da tradição familiar que não chega a ser algo imprescindível. As interações entre as pessoas são desprovidas de tensão, de densidade dramática e, às vezes, até de algo que as torne simplesmente críveis. Enquanto segue tentando estabelecer a atmosfera aterrorizante, o realizador aparentemente se esquece de preencher os personagens com atributos instigantes ou mobilizadores. Há vários desses desperdícios nos praticamente 120 minutos.
Verão Fantasma até tenta embaçar os limites entre realidade, imaginação e extraordinário, mas sem sucesso. Matheus Marchetti conduz o elenco num piloto automático por caminhos batidos. Martin e sua prima têm um passado em comum, testemunharam coisas parecidas na infância e reconhecem os ”fantasmas” um do outro. Porém, há apenas o superficial, tanto das personalidades deles quanto do vínculo que os interliga. O namorado da prima existe para a brincadeira sobre estar vendo assombrações, situação que nesse tipo de filme geralmente serve como prenúncio de que o pior está para acontecer. Já os amigos dessa prima são absolutamente descartáveis, servindo somente para preencher os cômodos e oferecer ao realizador um pouco de diversidade na hora de apresentar os efeitos do horror. Aliás, a cena da visita flertando com o estranho que sai do mar para descansar no píer poderia ser tirada do corte final sem qualquer prejuízo, quase como a que mostra o diálogo (artificial) entre Martin e Lucas com o homem que vende picolés na praia. Como essas, há um par de outras circunstâncias que não funcionam para ampliar o nosso leque de informações e que tampouco se justificam por ser um respiro frente à opressão de fantasmas e afins. Assim, o filme tem elementos sobrando.
Verão Fantasma flerta em vários momentos com o musical. Mas, de determinado ponto em diante, o jovem realizador faz um gesto ousado (e pela ousadia merece louros e vivas) de mesclar o horror e o musical, algo que de certa maneira nos remete a histórias conhecidas que possuem contornos similares, como O Fantasma da Ópera. Porém, a combinação não funciona como deveria, muito porque seu caminho pregresso é precariamente pavimentado até as melodias retumbarem como indícios de uma sina terrível. Há outra debilidade fundamental no longa-metragem de Marchetti: a direção de arte. A casa isolada não tem traços significativos de abandono ou de abrigar na atualidade alguma fantasmagoria; os planos-detalhe das partituras mostram escritos com um sangue que não soa crível; as interações entre vivos e mortos são encenadas por meio de um jogo de luzes coloridas e fumaças que não dá conta da geração de uma atmosfera. Por fim, a relação entre Martin e Lucas não "decola" nesse panorama que envolve a clausura do primeiro e o conhecimento que o segundo tem das lendas do lugar. O romance parece uma coisa completamente à parte, assim como outras subtramas que não se encaixam organicamente no painel mais amplo e, ainda assim, frágil.
Filme visto em abril de 2022, durante o 18º Fantaspoa.
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