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Sinopse
Dona de casa atormentada na San Diego dos anos 1980, Sheila Rubin luta contra demônios pessoais e uma voz interior que a tortura, algo impensável por conta da superfície que transmite uma ideia de pacata passividade.
Crítica
Antes do que uma crítica específica à primeira temporada da série Physical – que, felizmente, foi renovada para uma segunda leva de episódios antes mesmo do término desse ano de estreia – é preciso que se chegue a um consenso: Rose Byrne é, definitivamente, uma das mais subestimadas atrizes da Hollywood atual. Apesar de ter conquistado o Leão de Prata de Melhor Atriz no prestigiado Festival de Veneza logo por um dos seus primeiros trabalhos (A Deusa de 1967, 2000), aos poucos foi se acomodando em papeis coadjuvantes sem expressão (Star Wars: Episódio II – Ataque dos Clones, 2002), sequências descartáveis (Extermínio 2, 2007), comédias passageiras (Vizinhos, 2014), superproduções nas quais sua presença pouca diferença fazia (X-Men: Primeira Classe, 2011), sagas de terror (Sobrenatural, 2010) e dramas que ficaram apenas na promessa (O Lugar Onde Tudo Termina, 2012). Dois projetos, no entanto, acabaram fazendo diferença, para o bem e para o mal: primeiro, a comédia-sensação Missão Madrinha de Casamento (2011), que terminou por relegá-la a uma posição cômica que não é suficiente para dar conta do seu potencial, e o drama seriado Damages (2007-2012), que lhe garantiu uma posição de destaque também na telinha. O melhor de cada um desses esforços é o que se percebe nessa sua nova incursão televisiva.
Sheila Rubin (Byrne, simplesmente dominando cada minuto em cena) é uma mulher, na Califórnia do início dos anos 1980, que poderia se considerar privilegiada: filha de uma família bem-sucedida, está casada com o homem com quem sempre sonhou, e os dois são pais de uma bela e saudável garota. Essa é a imagem, entretanto, que tanto se esforça em vender ao mundo exterior. Dentro de si, há um debate mais forte e intenso ocorrendo constantemente, em cada segundo da sua existência. Um grito silencioso que a todo instante anseia por se manifestar. Ela nunca está sozinha: a discussão se dá sempre entre essas duas personas: a exterior e a interna, a que o mundo conhece e a que tanto luta para esconder dentro de si. Não que seja totalmente infeliz: muitas coisas que acaba fazendo, faria de qualquer forma. Mas diferente. Mais dona de si. E aí está a diferença: para que se concorde com algo, antes é necessário que se seja consultada. Apesar do conforto que aparentemente a cerca, nunca ser ouvida é basicamente o mesmo de que ser eternamente calada.
Mas veja bem, esse paraíso que a cerca é tão frágil quanto um castelo de cartas. As economias familiares, deixadas sob o seu controle por um marido quase alienado de suas obrigações, há muito já foram, literalmente, consumidas. A maneira que Sheila encontra para dar vazão ao grito que engole com muito esforço é colocando ainda mais para dentro: no caso, alimentos. Apesar da imagem de saúde e controle que emula, quando sozinha seu passatempo contumaz se resume à visitas ao fast food mais próximo para se empanturrar de hambúrgueres e milk shakes num motel barato pelo caminho. Como se vê, os problemas são sérios, pois essas mesmas sessões de descontrole, empreendidas distante dos olhos dos demais, são seguidas por momentos em que se coloca de joelhos diante da latrina: a bulimia é a maneira de não permitir que o corpo reflita o turbilhão que guarda dentro de si. Se fosse apenas isso, já seria grave o suficiente: afinal, seu próprio bem-estar que se veria em perigo. Mas há mais. Mentiras, desilusões, fantasias, até roubos. Qualquer um por perto está em perigo.
Porém, é importante ter algo claro: Physical é uma série que, por mais que aborde dramas complexos, os percorre com leveza e resolução, nunca pisando fundo nestes terrenos pantanosos e se esforçando ao máximo para manter um tom minimamente cômico, ou ao menos, divertido. Para tanto, dois personagens se destacam: Greta (Dierdre Frield, de New Amsterdam, 2018-2022), a “melhor amiga” por conveniência – as filhas de ambas frequentam a mesma escolinha – que acaba assumindo papel fundamental no decorrer dos episódios, e Tyler (Lou Taylor Pucci, de A Morte do Demônio, 2013), hábil em ir além do estereótipo do surfista idiota, apresentando camadas que o tornam imprescindível à revolução empreendida pela protagonista. Jerry (Geoffrey Arend, de Goliath, 2021) deveria também aliviar essas transformações – ele consegue ser ainda mais alienado do que o marido dela – mas ao surgir como braço direito, cheio de vícios do passado, mais afasta a audiência por uma postura pouco empática, ao invés de servir como contraponto do que se passa no âmago do casal. Uma família está em crise, e a solução do homem, ao invés de ouvir a esposa, é se lançar como candidato nas próximas eleições. Um retrato preciso do quão leviano se tornou o envolvimento nesse tipo de atividade nas últimas décadas.
Rory Scovel (Superstore, 2020-2021), como Danny, faz dessa metade do casamento uma figura tão atraente quanto desprezível. Ele possui o carisma para a vitória, mas é tão despreparado – e incapaz de tomar qualquer decisão correta – que fica evidente o quanto precisa da mulher ao seu lado. Mas e ela, do que necessita? Tanto John Breem (Paul Sparks, de House of Cards, 2015-2018), o dono do shopping local e principal oponente na campanha, quanto Bunny (Della Saba, de Zootopia, 2016), a dona da academia, estão mais interessados no que essa estranha, porém hipnotizante, mulher se mostra capaz de fazer. Das aulas de aeróbica – dando início a uma febre que tomará conta do país – e de meio mundo – nos anos 1980, até uma visão empreendedora em costumes e modo de se apresentar, o que se confirma é que estão diante de um vulcão prestes a entrar em erupção. Mas é preciso estar ciente se permitirão que o fogo tome conta, ou irão se preparar para que das cinzas surja algo novo e fantástico.
A primeira temporada de Physical tem um sentimento anticlimático que a percorre do início ao fim destes dez episódios iniciais: e está tudo bem, pois é esta a intenção. É quase um prólogo, um antes do que realmente deverá importar. São desvendadas as origens dessa mulher, suas dores e traumas, tanto no núcleo familiar original – em um capítulo absolutamente doloroso, mas importante no sentido que evidencia o que é urgente ser superado – como também daquela que escolheu para si e que não deverá abrir mão tão facilmente, por mais que seja o que aqueles na audiência desejem com fervor em mais de uma passagem. E se ressalvas podem – e devem – ser feitas, talvez a maior se resuma na pouca importância dada ao movimento aeróbico desencadeado por Sheila. Aqueles que estiveram torcendo para matar as saudades de Olivia Newton-John, melhor arrefecer os ânimos um pouco: assim como a aguardada transformação dessa mulher em ebulição só se perceberá como completa na próxima temporada (ao menos é essa a torcida), também o encontro com collants e ritmos contagiantes nos quadris deverá aguardar um pouco mais.
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