Crítica
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Sinopse
Maxine está determinada a ser aceita no mais luxuoso e exclusivo clube de Palm Beach. E para isso, ela é capaz de fazer de tudo, até mesmo pular o muro dos fundos.
Crítica
Olhares detalhados direcionados a sociedades que até então não levantavam suspeitas podem revelar boas surpresas. No âmbito da pirâmide econômica e, principalmente, no que diz respeito ao status pessoal, estes movimentos podem ser ainda mais pertinentes, uma vez que abrangem uma universalidade impressionante. Afinal, seja na intrincada estrutura de castas na Índia ou numa restrita organização de uma tribo no interior do Brasil, os parâmetros passíveis de identificação são inúmeros. No caso de Palm Beach, um dos balneários com maior renda per capita de todos os Estados Unidos, o que se identifica é um organismo interligado de forma intermitente, que se autoalimenta por meio de exercícios de ostentação e exageros. Um outsider, ou seja, um estrangeiro, alguém que vem de fora, ao tentar se intrometer nesse ecossistema, certamente irá gerar ruídos das mais diversas ordens. Esta é a ideia por trás de Palm Royale, série criada por Abe Sylvia (Disque Amiga para Matar, 2019) a partir do livro de Juliet McDaniel. Acompanhar os passos de Maxine Simmons, a protagonista, se mostra uma jornada repleta de reviravoltas e ganchos que alternam a direção dos acontecimentos sem avisos prévios, resultando em uma diversão controlada: se por um lado o durante é empolgante e dinâmico, assim que as luzes se apagam a impressão é que pouco ficou a ser dito.
Para começar, importante ter em mente que há pouco em comum entre livro e série. Mr. and Mrs. American Pie foi publicado em 2018 e, desde então, tem conquistado fãs empolgadas. Entre essas leitoras estava a oscarizada Laura Dern, que não só se apresenta como uma das produtoras do programa, como também aparece no papel de Linda Shaw, a ativista hippie que parece pouco se encaixar no quadro geral das coisas, mas que certamente tem sua cota de mistérios a serem revelados. Pouco restou da obra literária em sua versão televisiva além da personagem principal. Maxine, vivida por Kristen Wiig, representa um dos maiores desafios da carreira da atriz. Conhecida como comediante por sucessos como Missão Madrinha de Casamento (2011) e Caça-Fantasmas (2016), dessa vez tem em mãos a oportunidade de construir uma personalidade que muito se baseia, sim, nos dotes cômicos, mas esses são quase involuntários, pois provém de uma vontade genuína de se encaixar em um lugar que a ela não pertence e, ainda mais grave, os que lá estão certamente não a querem. Sua inadequação ao cenário onde força sua entrada, literalmente pulando o muro num momento de desespero, disfarça um esforço psicológico intenso, que abrange desde sentimentos de não ser suficiente até uma profunda carência que a todo momento tenta esconder por detrás de um sorriso ensaiado.
Palm Royale é o nome do principal clube da cidade, aquele no qual todos os que são alguém (who’s who) fazem parte e desfilam suas conquistas e vitórias. É um contínuo show de ostentação, no qual as aparências parecem fazer mais sentido do que realidade que transcorre por detrás das cortinas. Maxine, recém-chegada, deseja mais do que tudo ser aceita como sócia, um anseio que alimenta desde a juventude, quando lia sobre os ricos e famosos nas colunas dos jornais e revistas. As atuais rainhas, no entanto, repudiam sequer pensar na possibilidade de aceitá-la como membro, pois isso seria vê-la como igual a elas. Evelyn (Allison Janney, por pouco não roubando a cena), Dinah (Leslie Bibb, de Meu Pai é um Perigo, 2023), Mary (Julia Duffy, de Looking, 2014-2015) e Raquel (Claudia Ferri, de A Rainha do Sul, 2017) são as responsáveis por ditarem a ordem das coisas, determinando quem entra e, principalmente, quem sai de suas vistas. Mas há uma ainda mais poderosa de todas elas: Norma (a veterana Carol Burnett, em excelente forma). Por ter tido uma embolia e se encontrar em estado vegetativo, muitas a consideram carta fora do baralho. Mas seu sobrenome segue forte: Dellacorte. O mesmo que agora Maxine passa a usar como cartão de visitas.
Uma coisa que desperta curiosidade já nos primeiros capítulos é, na vinheta de abertura, o segundo nome ser o do cantor (e cada vez mais também ator) Ricky Martin. Após ter sido indicado ao Emmy pela minissérie American Crime Story: The Assassination of Gianni Versace (2018), ele retorna agora como Robert, garçom em Palm Royale nas horas vagas e, ainda mais importante, o ‘poolboy’ (o garoto encarregado de limpar e manter a piscina sempre limpa) de ninguém menos do que Norma Dellacorte. Alguém que, num primeiro momento, se mostra tão adjacente, por qual razão aparecia com tamanho destaque na apresentação? Pois bem, sua importância vai gradualmente aumentando com o avanço dos episódios. Até o ponto que uma tríade se forma: Maxine, Robert e Linda. A que quer ser, o que acredita não ter lugar e a que já foi, mas tudo abandonou. A protagonista é a ingênua de bom coração que, na hora do aperto, sabe usar de suas artimanhas para alcançar seus intentos. Ele, por sua vez, está mais embrenhado nas engrenagens daquela realidade do que se poderia imaginar, e sua condição enquanto homossexual acrescenta outras camadas à dissimulação que por aqui que vê generalizada. Por fim, a herdeira do trono que abriu mão de tudo em nome de sua própria verdade talvez seja aquela que aponta para um outro – e possível – estilo de vida.
É de se lamentar, no entanto, que com tanto em jogo, muitas das portas que mereciam ser escancaradas são apenas apontadas, porém não cruzadas. A relação de Maxine com o marido, o piloto Douglas Dellacorte (Josh Lucas, que já posou de galã e hoje está cada vez mais se tornando uma caricatura de si mesmo), é composta por tantas mentiras e promessas vazias que deixar para o último minuto ela, finalmente, perceber a verdadeira natureza deste com quem esteve envolvida é investir de forma demasiada em sua ingenuidade. Outra que merecia mais espaço é a repórter Ann (Mindy Cohn, reconhecida por ter sido por anos a voz oficial de Velma, a mais esperta da turma do Scooby-Doo), que em mais de uma ocasião ameaça estar prestes a lidar com uma descoberta capaz de abalar as estruturas, para logo em seguida ver seu trunfo ser deixado de lado em nome de outra distração. E se o desfecho oferecido ao icônico Bruce Dern (pai de Laura na vida real e também na ficção) foi bonito e emocionante, por outro lado despertou dúvidas éticas sobre o modo como essa questão foi conduzida. Entre tantos segredos e ilusões, difícil mesmo é discernir o certo a ser feito.
Se nem tudo que reluz é ouro em Palm Royale, de uma coisa ninguém duvida: o imenso carisma de Kristen Wiig, que carrega praticamente sozinha a série de ponta a ponta, por mais que coadjuvantes de luxo – Martin, Burnett, Dern, Janney – tenham contribuído de forma decisiva em uma ou outra passagem. É por ela, do salvamento da baleia à recepção ao presidente, do momento em que é abandonada em alto mar ao príncipe europeu que certamente não é quem diz ser, nada parece lhe ser impossível – e essa imprevisibilidade garante muito do chame do programa. Encerrando sua primeira caminhada de dez episódios ao mesmo tempo em que distribui ganchos para uma eventual segunda temporada, propõe indagações pertinentes – o que irá acontecer com Douglas e Mitzi? Robert irá apostar na segurança ou na amizade? Norma é quem diz ser? Evelyn conseguirá recuperar seu antigo padrão de vida? E o astronauta, para onde foi? – e que devem manter aceso o interesse por mais uma leva de capitulos. Em resumo, este ano inaugural prometeu muito, e se não entregou tudo o que poderia, ao menos preparou caminho para um futuro excitante. Quem viver, verá.
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