Crítica


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Sinopse

A Segunda Era foi palco para uma série de eventos importantes que impactaram gerações da Terra Média. Heróis surgiram, os famigerados anéis do poder foram forjados e uma ameaça maligna se impôs entre tantas outras.

Crítica

Dizem que a expectativa é a mãe da frustração. E talvez nenhuma outra série recente foi antecedida de tanta expectativa quanto O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder. Afinal de contas, ela veio a reboque do sucesso da saga cinematográfica O Senhor dos Anéis que, por sua vez, disseminou mundialmente o interesse pela obra literária do escritor sul-africano J. R. R. Tolkien. Além disso, o programa foi precedido de enorme alarde por ser o mais caro de todos, cercado de cuidados e supervisões dos herdeiros de Tolkien, por falar da Era anterior àquela vista nos longas-metragens e por conter eventos cruciais à cronologia da Terra Média e de territórios considerados legendários. Enfim, tantas expectativas. Felizmente, a frustração ficará órfã dessa vez, pois a expectativa foi uma mãe gentil que preparou o terreno à chegada de outro filho, um tão belo quanto ela anunciava. Claro que muita gente virou a cara para a abordagem, outros foram às redes sociais vociferar contra a existência de personagens negros na trama – e o nome disso a gente já sabe, né? –, afinal de contas, agradar é difícil, ainda mais uma parcela xiita de admiradores que está bem mais preocupada em reivindicar uma autoridade sobre a propriedade intelectual alheia do que em embarcar na nova jornada repleta de esplendor e mistério. O que houve na primeira temporada foi uma ótima apresentação dessa Era de extrema relevância.

A protagonista de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder é Galadriel (Morfydd Clark). Vista nos filmes como entidade superpoderosa e quase divina, a altiva elfa aqui é encarada como uma guerreira motivada pelo luto, obcecada por erradicar a mínima possibilidade do retorno do temível Sauron aos domínios da Terra Média. Essa personagem é marcada por um tom trágico que envolve a perigosa proximidade com o caminho da escuridão, pois sua determinação pode alimentar excessos, julgamentos errados e a falta de discernimento entre bem e mal diante da mínima possibilidade de triunfar sobre o inimigo. Mas, nem tudo gira em torno da elfa e os showrunners se saem bem nisto de pulverizar o protagonismo. Afinal de contas, está na essência da obra de J. R. R. Tolkien essa natureza ecumênica que enfatiza a importância de todos os povos. Então, temos grandes momentos dos elfos, mas também dos humanos que carregam o fardo da colaboração de outrora com Morgoth (o grão-mestre de Sauron), dos anões que dominam as montanhas prósperas e dos pés-peludos, figuras humanoides que evidentemente são as antepassadas dos hobbits. Aliás, nos primeiros episódios os criadores se esforçam (talvez um tiquinho demais) para estabelecer paralelos entre os personagens da série e os da trilogia comandada por Peter Jackson. E eles quase passam do ponto para atingir essa familiaridade que dialoga com o espectador já iniciado.

Nesse sentido das simetrias, Arondir (Ismael Cruz Cordova) é uma espécie de novo Legolas (um elfo arqueiro), Nori (Markella Kavenagh) e Poppy (Megan Richards) são como Frodo e Sam (os pequenos convocados a uma aventura extraordinária) e o misterioso Halbrand (Charlie Vickers) tem um quê de Aragorn (o rei humano). Felizmente, uma vez que essas cartas estão na mesa, as correspondências não são tão reiteradas e, assim, perdem a hegemonia como pontos de interesse dos personagens novos. Mas, ainda falta o inimigo. E as grandes perguntas que pairam sobre os oito episódios da primeira temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder são: onde está Sauron? Será que algum dos personagens é o lorde das trevas disfarçado? E esse enigma é bem cozinhado pelos criadores ao longo da temporada, embora seja um caminho quase evidente pensar nas figuras imaginadas especialmente para o programa como sérios candidatos a vilão disfarçado. E talvez nenhum personagem atraia tantas especulações sobre a sua natureza quanto o Estranho (Daniel Weyman), o grandalhão superpoderoso e desmemoriado que cai do céu e atravessa o caminho dos pés-peludos. Algumas teorias diziam que ele poderia ser Sauron, outras que talvez fosse Galdalf, o cinzento. Porém, é habilidosa a forma como os roteiristas mantém o enigma, enquanto dão indícios sugestivos da verdade.

Do ponto de vista técnico, O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder é uma série de encher os olhos. Destaque nesse sentido ao visual exuberante de Númenor, continente situado nos Grandes Mares a oeste da Terra Média que abriga parte importante da primeira temporada. Os mais antenados fãs da obra de Tolkien provavelmente se sentirão particularmente emocionados na cena das embarcações entrando nos domínios desse lugar citado em livros que servem para expandir a mitologia de O Senhor dos Anéis. Além disso, somos apresentados a personalidades que desempenharão papeis vitais na luta contra Sauron, tais como Elendil (Lloyd Owen), Isildur (Maxim Baldry) e Gil-galad (Benjamin Walker), bem como Celebrimbor (Charles Edwards), essencial para a forja dos famigerados anéis do poder. O roteiro é suficientemente inteligente (e não demasiadamente didático, é bom dizer) ao ponto de oferecer ao espectador não iniciado nesse mundo as informações suficientes sobre a grandeza de alguns e fomentar as expectativas sobre a importância de outros vários. Diferentemente dos filmes que seguiam uma lógica do road movie, com as andanças dos protagonistas (no caso, os hobbits) revelando os demais povos e territórios, aqui estamos mais para a dinâmica de “viagem pelo mapa”. Nela somos apresentados a eventos que acontecem simultaneamente em lugares distintos a fim de preparar a convergência. Além disso, o metal citado nos filmes como raro recebe dimensão para além do valor monetário.

Essa primeira temporada tem dramaticidade, ótimas cenas de ação e seu tom geral persegue a ideia de que o mal temido, por muitos considerado erradicado da Terra Média, está se preparando para retornar. E seu principal arauto é o pai dos orcs, Adar (Joseph Mawle), um dos personagens mais interessantes e complexos da série. Por causa de figuras como ele, os showrunners conseguem desviar estrategicamente o foco de algo importante à Segunda Era, tanto que batiza a série: a forja dos anéis do poder, inclusive a do Um Anel, objeto que deve ser destruído pela Sociedade do Anel na trilogia cinematográfica. E, junto com a anunciada ascensão do mal, esse é o principal e gancho à confirmada segunda temporada. Pode-se dizer com boa margem de segurança que o primeiro ano cumpriu muito bem a missão de resgatar O Senhor dos Anéis e situa-lo na atualidade em que séries nele inspiradas – como Game of Thrones (2011-2019) e seus derivados – mantiveram aceso o interesse do público por dramas épicos repletos de aventuras e criaturas fantásticas que habitam territórios ricos em imaginação. E O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder constantemente evocou mitos, deuses, lendas e a existência prévia de forças além da imaginação para consolidar uma atmosfera lúdica de encantamento. Agora nos resta esperar que a expectativa quanto à continuação seja novamente suprida com o desenvolvimento dos ganchos deixados pelo caminho. E a sequência nos promete guerras e destruições.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
8
Daniel Oliveira
7
MÉDIA
7.5

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