Demolidor :: T03
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Drew Goddard
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Marc Jobst, Garcia Lopez, Lukas Ettlin, Toa Fraser, Julian Holmes
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Marvel's Daredevil Season 3
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2018
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EUA
Crítica
Leitores
Sinopse
Crítica
O Demolidor é um dos super-heróis urbanos mais populares da Marvel. Desde o final dos anos 1970 e início dos 1980, quando o escritor Frank Miller tomou a missão de transformar o personagem (antes um híbrido genérico de vários outros já conhecidos) em alguém mais complexo, cheio de incertezas e no limite do heroísmo e do crime, suas publicações tem sido uma permanente na editora de Stan Lee, mesmo com altos e baixos nestes mais de 30 anos. E é justamente esta personalidade conturbada que vemos na sua adaptação para a Netflix. Se na primeira e segunda temporadas de sua série solo e sua participação em Defensores (2017) já havia um desenvolvimento claro disso, o terceiro ano de Demolidor chega ao ápice, como uma quadrilogia muito bem montada e que agrada não apenas aos fãs dos quadrinhos, mas também ao público que se tornou preso ao Matt Murdock da telinha e àqueles que eventualmente clicaram em seu ícone nas longas horas de Netflix.
A trama começa exatamente no ponto onde acabou a série Defensores: Matt Murdock (Charlie Cox) é resgatado por um transeunte do desabamento do prédio. Gravemente ferido, é levado para a igreja/orfanato onde cresceu quando perdeu o pai, ainda jovem, sob os cuidados do Padre Lantom (Peter McRobbie) e da Irmã Maggie (Joanne Whalley). Enquanto se recupera, seu melhor amigo, Foggy Nelson (Elden Henson) continua uma carreira de sucesso como advogado, e seu antigo amor, Karen Paige (Deborah Ann Woll) continua não acreditando na morte do amado, ao mesmo tempo que investiga casos que podem estar relacionados a Wilson Fisk (Vincent D'Onofrio). O Rei do Crime consegue um acordo com o FBI através do agente Nadeem (Jay Ali) para poder sair de trás das grades e ficar em prisão domiciliar num luxuoso hotel. O preço? Revelar toda a rede do submundo do crime. A carta fora do baralho e que chega para bagunçar esta trama é Benjamin 'Dex' Poindexter (Wilson Bethel), outro agente do FBI, tão perfeito em atirar coisas no alvo quanto problemático no quesito psicológico.
Com esta imensa quantidade de personagens centrais, a terceira temporada de Demolidor poderia muito bem se perder em narrativas inúteis ou que só travam a história. Porém, o que se vê é o contrário. Se os segundos anos da própria série, assim como Jessica Jones e Luke Cage, foram recheados com episódios que vão do nada para o lugar nenhum, pela primeira vez parece que todos os 13 episódios da temporada são realmente aproveitados, mesmo que haja uma gordurinha ou outra no meio com flashbacks estendidos. Mérito do showrunner Erik Oleson, que pega o trabalho dos seus antecessores e amplia a complexidade da história, amarrando cada ponta solta. O que se vê dessa vez é menos uma série de super-heróis e mais um drama psicológico que se transforma num grande suspense policial sobre corrupção e poder. Se a ação parece limitada em alguns momentos, é porque os criadores deste terceiro ano entendem que a vida de Matt Murdock e todos ao seu redor não se entende apenas pela pancadaria, mas também pela obscuridade e jogos de palavras.
Contudo, ação não falta. Se os fãs sentiam falta de uma cena tão belamente coreografada como a luta no corredor da primeira temporada, aqui, já no quarto episódio, há a melhor melhor sequência de combate de todas as séries da Marvel, um plano sequência da fuga de uma prisão que deixa o espectador tenso do início ao fim dos seus longos minutos de duração. Há ainda outros momentos igualmente memoráveis, como a sangrenta batalha na redação do jornal em que Karen trabalha, uma batalha feroz e trágica na igreja do Padre Lantom e, de cara, a explosiva e violenta transferência de Wilson Fisk do presídio para o hotel, quando todos somos apresentados ao personagem tão ou mais complexo que o protagonista e o antagonista: Dex, o Mercenário (que ainda não tem esta alcunha).
O ator Wilson Bethel é um belo acréscimo ao elenco por nos deixar na dúvida a todo momento sobre seus reais motivos para ter entrado no FBI e, à medida que vamos descobrindo mais sobre seu passado e como ele reflete no personagem, fica claro o quão frágil e perigosa é sua psique para aqueles ao seu redor, sejam aliados ou inimigos. Não à toa, fica difícil não acreditar que seja ele o principal vilão desta temporada, ainda que errático e em dúvida sobre suas decisões e atitudes. Algo bem explorado por Fisk, que reconhece nele alguém tão complexado com a infância quanto ele próprio. Porém, não é por bondade que o chefão do crime da Cozinha do Inferno "resgata" Dex. É nesta temporada que se percebe a que ponto chega o poder de Fisk e como ele domina e corrompe a todos que toca, sejam os outros criminosos da cidade ou até mesmo o governo federal, Não por menos, se entende porque a importância dada ao agente Nadeem é crucial nesta história, pois é ele quem fica no limite da moral e da lei nesta temporada.
Se o lado criminoso da série é denso, o mesmo se aplica aos nossos heróis. Foggy pode aparentar ter o arco mais frágil da trama, mas são justamente suas decisões que dão fôlego e, ao mesmo tempo, um nexo com a realidade aqui fora. Afinal, não se pode acertar sempre, algo explorado com competência pelo roteiro. Karen, com seu passado difícil também revelado, acaba se tornando uma personagem ainda mais humana do que já era, virando ainda mais a bússola moral de Murdock. Por sinal, o trabalho de Deborah Ann Woll acaba mostrando o quão subestimada a atriz é (algo que já era perceptível por sua participação regular em True Blood, 2008-2014, sendo talvez uma das poucas coisas da antiga série de vampiros que se manteve em alta na irregularidade das temporadas).
Tudo, claro, não funcionaria sem Charlie Cox e seu Matt Murdock cada vez mais imperfeito e, por isso mesmo, com maior identificação com o público. Dono de um arco de total reviravolta, que vai do próprio luto ao seu renascimento, Matt não usa o uniforme vermelho durante toda a temporada (e perdão se isto é spoiler), o que evidencia ainda mais este trabalho com a figura humana do personagem. Se alguém poderia reclamar antes de qualquer referência aos quadrinhos, desta vez, tudo está lá: seu forte senso de justiça e ligação com o cristianismo (ainda que quebrados em dúvida após tantas tragédias), a teimosia e o ego inflado, os traumas com o passado e até as ligações familiares. O trabalho físico de Cox também se destaca não só pelo porte atlético, mas sem exageros, como também por sua habilidade em tornar as cenas de luta (que misturam várias artes marciais, mas especialmente o pugilismo) ainda mais críveis.
É difícil apontar grandes defeitos nesta temporada, mesmo que a própria seja imperfeita. O saldo é positivo por apresentar a queda, a redenção e o ressurgimento do protagonismo heroico, ao mesmo tempo em que amarra os arcos explorados numa ampla e complexa história sobre a corrupção das instituições do estado. Algo próximo da realidade não só dos EUA, mas de qualquer país do mundo. De quebra, há homenagens e referências diretas na narrativa e/ou em sequências gráficas à famosas sagas do herói nos quadrinhos, seja boa parte das edições escritas pelo já citado Frank Miller (que vão desde Guerra de Gangues, O Homem Sem Medo e, claro, A Queda de Murdock) a histórias mais atuais, como O Diabo da Guarda, de Kevin Smith, e até mais recentes ainda, como alguns lampejos da fase de Mark Waid pelos roteiros da HQ. Fechando esta quadrilogia sem deixar pontas soltas, mas com possibilidades infinitas de belos ganchos para os próximos anos, resta aguardar e torcer para que a série não caia no mesmo valão de Luke Cage e Punho de Ferro, que tiveram seus cancelamentos anunciados. História boa não falta para contar. Porém, o melhor mesmo é a certeza de que o diabo da Cozinha do Inferno está de volta com todo o poder que a gente gosta de ver.
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