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Sinopse

Matt Murdock já está conhecido no bairro como Demolidor. Nas ruas de Hell's Kitchen, seu bairro em Nova York, encontrará novos desafios coma chegada de Justiceiro e Elektra.

Crítica

Talvez um dos grandes segredos de Demolidor ser a série mais bem-sucedida da parceria Marvel/Netflix seja a popularidade do herói. Ainda que o advogado cego não seja um Batman ou um Homem-Aranha, seus mais de 50 anos de vida nas HQs tem rendido excelentes fases, autores renomados, uma galeria imensa de belos coadjuvantes e, claro, fãs mais do que fiéis. Porém, nada disso valeria se o personagem não tivesse sido tão bem adaptado (afinal, temos aquele caso de 2003 no cinema). E se a primeira temporada já foi um alento para os mais incrédulos, o nível continua alto na segunda, com direito a mais coadjuvantes importantes e uma trama rebuscada.

Pode-se dividir os 13 episódios deste segundo ano em dois arcos. No primeiro, Matt Murdock (Charlie Cox) se vê as voltas com um novo vigilante, muito mais cruel e implacável com os criminosos do que o diabo da guarda. Frank Castle (Jon Bernthal) é uma alma perturbada em busca de vingança. Assim como sua versão dos quadrinhos, intitulada de Justiceiro. Não sendo bastante este conflito com o anti-herói, o Homem Sem Medo se vê às voltas com o passado ao reencontrar seu grande amor da faculdade, Elektra Natchios (Elodie Yung), uma assassina impiedosa com prazer em matar suas vítimas, mas dividida entre a paixão pelo alter ego do Demolidor e seu envolvimento com um grupo de matadores.

Ao contrário do que vemos acontecer em muitas séries, aqui os 13 episódios são extremamente hábeis e, porque não dizer, necessários para o desenvolvimento de cada uma das tramas. Até porque, além destas duas histórias principais, ainda há espaço para uma maior consideração ao colega de escritório de Matt, Foggy Nelson (Elden Henson), e sua ex-assistente Karen Page (Deborah Ann Woll), também atual desenlace amoroso do protagonista. Não esquecendo de outra figura primordial no mundo da Cozinha do Inferno: Wilson Fisk, o Kingpin (Vincent D’Onofrio), que, mesmo preso, planeja sua vingança contra o Demolidor, Matt e todos à sua volta (o que garante um belo gancho para a terceira temporada, que pode ser inspirada num dos mais famosos e aclamados arcos dos quadrinhos do herói).

A ambientação das histórias continua o modelo de porrada, tiros e muitas doses de artes maciais para ninguém botar defeito. As lutas do Demolidor, contra quem seja, são cruas, violentas e realistas na medida do possível. Porém, a violência gráfica, por melhor executada que seja, não é o motor desta história contada em pedaços. Se na temporada anterior Matt começava sua vida como mascarado (inclusive, só colocando o uniforme em definitivo no último episódio), agora o drama de conciliar suas vidas profissional e pessoal com o vigilantismo se torna ainda mais denso. Murdock é um personagem marcado, literalmente, pela culpa católica. Soma-se a isso a eterna promessa de combater o crime após a morte do pai, o embate com diferentes formas de agir (potencializado no personagem de Castle), as dúvidas amorosas (no triângulo Karen X Elektra) e as contínuas faltas que tem com Foggy, não apenas seu colega, mas também melhor amigo.

É uma jornada do herói complexa, ainda que o texto flua de uma forma simples. Porém, as nuances e entrelinhas estão a cada ação que o personagem toma, seja pró ou retroativa. Murdock nunca está parado, mas numa constante busca de fazer o que é certo, mesmo com tantos obstáculos no caminho, principalmente em sua mente indecisa. É alguém em constante construção, como um ser humano qualquer, ainda que com habilidades acima da maioria. Porém, sua cegueira e simplicidade nos atos o tornam mais próximo dos espectadores. Há uma empatia quase gratuita com sua missão e sua persona.

O elenco ajuda ainda mais nesta percepção. A cada episódio, Charlie Cox se mostra a escolha perfeita para Matt Murdock. Seu humor sarcástico fora do traje, assim como a seriedade com que lida com as coisas quando veste o manto vermelho, explicitam bem a dualidade de um personagem tão interessante. Henson e Ann Woll conseguem atingir outros patamares como a consciência de Murdock, cada um à sua maneira, mas também brilhando por conta própria, se desvencilhando de serem apenas escadas para o protagonista. Bernthal é pura fúria e tristeza como Frank Castle, como se o ator tivesse lido todas as histórias em quadrinhos possíveis sobre o personagem para beirar à perfeição. Yung, ainda que com uma personalidade de Elektra um pouco diferente dos quadrinhos, também entende a violência interna de uma persona que sempre viveu um drama como o seu. E D'Onofrio... impossível não sentir medo de seu Fisk, mesmo com todo o semblante de finesse e calma que seu personagem insiste em demonstrar.

Com tantos predicados, esta segunda temporada de Demolidor consegue ser tão boa ou até melhor que a primeira, por não se prender a maneirismos ou tentar mudar o que já era imutável. A torcida é que os showrunners continuem entendendo o desenvolvimento de Murdock como alguém em franca ascensão no mundo do heroísmo, mas que, de tão imperfeito, possa sofrer uma queda vertiginosa mais à frente. Quem sabe este não possa ser o tema do terceiro ano? Torcida para tanto não falta, por mais que doa ver um personagem tão querido sofrer. Às vezes é necessário para que tanto ele mesmo quanto o público entendam o preço a se pagar pela justiça. Ainda mais na Cozinha do Inferno.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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