Crítica


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Sinopse

Matthew Michael Murdock é um jovem atleta e excelente aluno. Ainda na infância, um acidente envolvendo um caminhão que carregava lixos tóxicos o deixou cego e fez com que ele desenvolvesse vários sentidos. Quando Matt decide vestir o uniforme e adotar o nome Demolidor, leva uma vida dupla: é advogado durante o dia, e, à noite, protege as ruas de Hell's Kitchen, seu bairro em Nova York.

Crítica

Esqueça Demolidor: O Homem Sem Medo (2003), aquele com Ben Affleck como protagonista. Apesar de não ser tão péssimo quanto afirmam, está longe de ser uma produção digna de nota. E em comparação com a série da Netflix, no entanto... melhor deixar assim, porque perde feio. O novo Demolidor é uma das melhores produções da Marvel desde a inserção oficial do estúdio no ramo audiovisual com Homem de Ferro (2008). Foram muitos filmes e heróis nestes últimos nove anos, mas poucos conseguiram alcançar a qualidade vista nesta obra dividida em 13 episódios. É uma mistura coesa e impecável de roteiro, elenco, direção, montagem, fotografia, direção de arte, enfim, de todos os envolvidos em entregar um material de alto nível para o público.

Para quem não conhece, Matt Murdock (Charlie Cox) é um advogado que ficou cego quando criança após um acidente de trânsito com produtos químicos que atingiram seu rosto. O que poderia ser tratado como deficiência acabou sendo um bom divisor de águas para o garoto, que teve seus outros sentidos potencializados. Com um treinamento de combate que poucos conhecem, à noite ele utiliza suas técnicas para proteger a Cozinha do Inferno, região de Nova Iorque onde mora. E o seriado é contextualizado exatamente após a batalha do primeiro Os Vingadores (2012), com bairros destruídos e/ou em construção. E a vizinhança do Demolidor é uma das que mais sofreu com o ataque, dando margem para uma guerra de tráfico que envolve russos, orientais e, é claro, o Rei do Crime, que não tem seu nome mencionado justamente por agir nas sombras.

Esta sinopse inicial é apenas um resumo de como as tramas da série desembocam no embate dos antagonistas. Em 13 horas (afinal, cada episódio tem uma duração média de 60 minutos), há muito a se desenvolver e o roteiro vai com calma e a fundo nas histórias de seus personagens principais. Matt Murdock, o Demolidor, é trabalhado de todas as formas, da cegueira e a relação com o pai boxeador na infância ao seu treinamento com Stick, um mestre nas artes marciais (e também cego), aos dilemas éticos, morais e religiosos que vive ao dividir seu combate pela justiça entre os tribunais e as brigas de rua.

O personagem é a expressão máxima da "culpa católica". Literalmente, já que sua ligação com a religião é direta. Murdock trilha um caminho que pende para a violência extrema, o que é colocado à prova sempre, especialmente nas discussões que tem com o padre local. Afinal, ele quer defender a cidade e os seus próximos, mas será que os fins justificam os meios? Mal comparando, o Demolidor seria a versão "pobre e sem visão" do Batman da DC Comics. Ambos heróis urbanos, traumatizados pelo assassinato dos pais, psicologicamente complexos e que navegam entre "o certo e o errado" a todo momento.

Por isso é interessante ainda a construção de seu rival direto. O Rei do Crime, Wilson Fisk (Vincent D'Onofrio) é um homem culto, educado, de boas maneiras, o que entra em contraste com seu passado violento e a mão de ferro nos negócios. Sua paixão causa sua ruína. É uma personalidade típica da mitologia grega. Tanto ele quanto Murdock querem "ajudar" a Cozinha do Inferno. No caso do vilão, implodindo a região por dentro. Duas visões antagônicas com o mesmo objetivo? Esta dicotomia entre personagens problemáticos que são mais parecidos do que imaginam causam um limite entre herói e vilão.

Murdock é brilhantemente interpretado pelo inglês Charlie Cox. Mesmo com os sentidos mais apurados que outros humanos, ele não deixa de ser um homem como qualquer outro. Ele bate, mas leva porrada também. Se fere, cai no chão. A produção não deixa de lado as referências diretas à origem do personagem nas HQs, mesclando passado e presente com flashbacks que ajudam a dar a tônica de sua psiquê e as causas que o levam a combater o crime ao seu modo. Os efeitos visuais da cegueira e da ampliação dos outros sentidos ajudam ainda mais nessa dinâmica.

Além da dupla principal antagônica, a série conta com coadjuvantes riquíssimos e bem desenvolvidos, principalmente entre os aliados diretos de Murdock – Karen Page e Foggy Nelson (excepcionais), a enfermeira Claire (Rosario Dawson, em participação mais que especial e que se tornaria recorrente nas outras séries Marvel da Netflix), além do clássico Ben Urich, o principal repórter da editora. São personagens que fazem a história evoluir como peça-chave na intrincada, mas não menos didática, trama sobre a violência urbana e guerra do crime da zona mais perigosa de Nova York.

Demolidor traz algo inédito para universo dos quadrinhos transportado para a tela: a violência nada gratuita que antes sequer era cogitada nas produções do estúdio nos cinemas. Nunca houve tanto sangue na Marvel. Cabeças cortadas, tiros que ferem, um herói sempre cambaleando. Um realismo que fazia falta, talvez pelo toque incessante do efeito Disney. Só a luta do segundo episódio, que remete diretamente ao coreano Oldboy (2003), já é um deleite para quem gosta de ação e sangue.

Com um arco fechado de forma incrível, como se fosse uma minissérie, mas que deixa bons ganchos para a segunda temporada, o primeiro ano do herói no serviço de streaming é um passo importante como gênese do Demolidor em si como também dos heróis urbanos e, muitas vezes, pouco relegados aos grandes holofotes dos filmes de super-heróis. E para quem acompanha ansioso a cada episódio, o uniforme só aparece no último episódio de forma lógica. Até então o personagem só quer o bem-estar da Cozinha do Inferno e das pessoas mais próximas. Assumir a identidade o coloca como um vigilante real, que busca a justiça independente de questões pessoais. E com o que veio a seguir, seja a segunda temporada ou os outros heróis que surgiram pela Netflix no mesmo universo, o espectador também fica vigilante do outro lado da tela, à espera de mais produções de alta qualidade como essa.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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