Crítica


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Sinopse

Passados oito anos da destruição de uma agência de espionagem global independente, alguns dos remanescentes são convocados para uma missão especial: evitar que seus algozes estabeleçam uma nova e obscura ordem mundial.

Crítica

O que pode um filme – ou melhor, uma série de filmes – fazer na vida de um realizador – quer dizer, de uma dupla de cineastas? Conhecidos, na melhor das hipóteses, por terem comandado a série Community (2009-2014), os irmãos Anthony e Joe Russo viram sua sorte mudar a partir do convite para dirigir Capitão América 2: O Soldado Invernal (2014), longa que se tornou um referencial de qualidade dentro do Universo Cinematográfico Marvel. Eles continuaram na Casa das Ideias por mais três projetos – até o apoteótico Vingadores: Ultimato (2019), que por algumas semanas chegou a ocupar o posto de maior bilheteria de todos os tempos – e isso foi o suficiente para credenciá-los a fazer o que bem entendessem dali em diante. Curiosamente, optaram por virar as costas para a tela grande e concentrar suas atenções na telinha, entre aventuras para a Netflix ou AppleTV+ e séries como essa Citadel, que servem para manter a dupla em alta, mesmo sem nem sequer se aproximar do nível de excelência que deles se poderia esperar. É quase como se estivessem se divertindo com marolas até a próxima grande onda chegar.

O episódio-piloto começa cheio de estilo: em um trem-bala pela Europa, os espiões Mason Kane (Richard Madden) e Nadia Sinh (Priyanka Chopra) se encontram em um vagão da primeira classe, ambos de olho no mesmo alvo: um cientista de posse de altas doses de urânio, elemento fundamental para a elaboração de bombas-atômicas. Acontece que, entre velhas rixas ressuscitadas e flertes cujo desfecho é facilmente antecipado, os que se pensavam gatos se veem como ratos, e o jogo vira sem aviso prévio: trata-se de uma armadilha, e não foi por acaso tal encontro: estão ali para serem executados. Uma explosão parecia ter selado o destino da dupla, mas nada é definitivo no mundo da espionagem, ainda mais quando se trata dos protagonistas. Assim, são dados como desaparecidos e, desmemoriados, nem mesmo eles fazem questão de assumir suas antigas funções – afinal, não sabem quem são nem de onde vieram, e assim tratam de dar origem a novas vidas, ele casado e pai de uma menina no interior dos Estados Unidos, ela como dona de um restaurante na Espanha. Mas estes fantasmas não tardarão a alcançá-los.

Quando diante de sua suposta vítima, Nadia é questionada: “de onde você é? Da CIA? MI-6?”, ao que ela responde com um gracejo (“quem você pensa que sou, que jogo na segunda liga?”). Pois bem, ela, assim como Kane, são agentes da Citadel, uma organização que estaria acima das demais agências nacionais de investigação. Uma entidade apátrida, cujo único interesse seria garantir a ordem e a segurança, independente da raça, da origem ou do estado envolvido. O que até aquele momento não sabiam é que uma força oposta, a Mantícora, liderada pelas famílias mais ricas de todo o mundo – e cujo objetivo é aumentar ainda mais seus poderes e capacidade de influência – tem colocado em prática um plano de eliminar todos os esforços inimigos, pelo mundo inteiro, numa jornada de mortes e encarceramentos que tem como clímax a eliminação da dupla de ex-amantes. Porém, ao contrário do que por anos chegaram a acreditar, Kane e Sinh seguem vivos. E a partir do momento em que recuperarem suas lembranças, estarão mais uma vez unidos não apenas para desfazer esse crescente de destruição, mas também determinados a resgatar tudo o que perderam na última década.

Ainda que Anthony e Joe Russo sejam os responsáveis pela chancela que permitiu que Citadel tenha ganho forma e estrutura, assinam apenas como produtores, apoiando uma ideia gerada por Josh Appelbaum, Bryan Oh e David Weil. Nenhum desses é novato nesse ambiente. Weil foi um dos criadores de Hunters (2020-2023), enquanto que Oh esteve envolvido com programas como Chicago Fire (2012-2013). Nada, no entanto, com tanto expertise em técnicas de espionagem quanto Appelbaum, que foi produtor de Alias: Codinome Perigo (2003-2006), de Missão: Impossível – Protocolo Fantasma (2011) e de Sem Remorso (2021). Esse estágio com espiões como Sydney Bristow, Ethan Hunt e John Clark supostamente deveria ter lhe dado conhecimento sobre o que evitar numa nova abordagem ao gênero. Porém, parece ter se guiado pelo sentido oposto, apenas recolhendo pelo caminho velhas fórmulas que podem até ter feito sucesso antes, mas que aqui se apresentam desgastadas pelo tempo. Assim, o que se vê em cena é uma embalagem bonita e atraente, com momentos tensos e cenas de ação envolventes, mas que se dissipam com a mesma rapidez com que se apresentam, deixando marca alguma após sua passagem.

A dinâmica de casal incapaz de confiar um no outro se mostra tal qual aquela percebida entre os personagens principais de Sr. e Sra. Smith (2005). O fato de estarem desmemoriados e terem que lutar contra todos – e, às vezes, até mesmo contra eles próprios – descobrindo novas habilidades à medida em que são colocados em perigo é o mesmo argumento visto na saga Jason Bourne. Por outro lado, isso de eliminar toda uma organização para o surgimento de outra, ainda maior e mais mortal, de tempos em tempos vem sendo usado como pano de fundo – e, também, como desculpa para tantos absurdos – em diversos episódios da série 007 James Bond. E até mesmo Tom Cruise em sua Missão: Impossível já passou por apuros ao se ver obrigado a lutar de modo independente contra aqueles que até então o empregavam para provar seu valor e deixar claro de qual lado, enfim, estava atuando. Pois Citadel reúne todos esses elementos, e mais alguns igualmente genéricos. Se há algo de novo, enfim, poderia ser a presença (e charme) dos nomes de maior destaque, mas nem isso chega a ser inédito. Afinal, Madden já tinha colocado seu inexpressivo rosto e físico atlético em situações similares na minissérie Segurança em Jogo (2018), enquanto Priyanka durante anos enfrentou ameaças muito mais sérias em Quantico (2015-208). Ou seja, mais do mesmo no horizonte.

Com apenas seis episódios em sua temporada de estreia, Citadel termina por se mostrar como uma premissa curiosa que, no entanto, nunca chega a atingir o seu potencial. Por mais que talentos como os de Stanley Tucci e Lesley Manville estejam reunidos, pouco lhes é oferecido para irem além do esperado, enquanto que figuras como Nikki Amuka-Bird (Batem à Porta, 2023) e a sumida Moira Kelly (Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer, 1992) são desperdiçadas sem muita cerimônia. Assim, quem chama atenção no elenco acaba sendo o dinamarquês Roland Moller (Terra de Minas, 2015), como os irmãos Anders e Davik Silje, que vai além do mero brutamontes ao fazer de sua presença tão aterrorizante quanto trágica. Mas é pouco diante do tanto que havia sido prometido. Assim como fizeram no UCM, Anthony e Joe Russo estão mais interessados nos desdobramentos do que mostram, e não tanto no aqui e agora. Esse ano de estreia, portanto, deverá servir apenas como cartão de visitas a um cenário mais amplo e complexo. Resta torcer para que a ousadia e criatividade também acompanhem esses novos – e futuros – passos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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