Crítica
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Sinopse
Membro de uma família bastante conservadora, um jovem aceita a missão de se infiltrar no clã vizinho que é chefiado por um magnata do ramo ferroviário. Lá encontra o filho debochado do empresário e sua ambiciosa esposa.
Crítica
Apesar de ter sido anunciada como uma elegante luta de classes, entre os ricos (do andar de cima) e seus serviçais (que se limitavam aos porões e áreas restritas das residências), Downton Abbey (2010-2015) nunca foi (apenas) isso. Afinal, ao longo de seis temporadas e um longa-metragem (com um segundo já encomendado), o que se percebeu é que suas histórias estavam mais interessadas na agonia de uns e na capacidade de sobrevivência de outros do que a respeito de um embate real entre esses extremos. Pois como se todo esse exercício de análise e reflexão não tivesse sido suficiente, o criador e roteirista Julian Fellowes, vencedor do Oscar por Assassinato em Gosford Park (2001) – que nada mais era do que um ensaio do que ele viria a desenvolver anos depois nesses dois seriados – volta a esse universo em A Idade Dourada, tendo como diferencial o fato de, enfim, deixar sua Inglaterra natal para trás rumo a uma América em plena formação. Por mais que essa mudança de cenário prometesse algo novo e original, o que se encontra, principalmente para os fãs e admiradores do programa anterior, é não muito mais do que o visto antes, com poucos diferenciais de verdadeiro peso. O que pouco diminui, entretanto, o prazer de acompanhar de perto esses pequenos dramas cotidianos, geralmente tratados como se capazes de decidir o destino de nações, justamente pela competência empregada em sua realização.
Se o britânico Downton Abbey chegou a ser apontado como uma das séries favoritas do ex-presidente norte-americano Barack Obama e terminou sua jornada pela telinha com nada menos do que 15 Emmys, é difícil imaginar que A Idade Dourada alcançará feitos similares, em parte por não contar com o frescor de algo inovador. Isso porque a estrutura desse é por demais similar a do seu predecessor. Há, no entanto, um diferencial. Se o espectador segue sendo colocado frente aos eventos vividos pelos empregados em paralelo com o que se passa com os senhores das casas onde os primeiros trabalham, há ainda uma segunda divisão, e dessa vez entre os mais afortunados. No final do século XIX – ou seja, cerca de 30 anos dos episódios vistos em Downton Abbey – os Estados Unidos formavam um país por demais jovem, visto como um lugar de futuro e esperança por aqueles em busca de mais oportunidades. E também, para os que visavam tirar proveito dessa mão-de-obra e das demandas que surgiriam a partir da formação de uma sociedade capaz de se livrar de velhos vícios – ou não. A mobilidade de uma posição social para outra, portanto, se imaginaria mais flexível e dinâmica. Ou ao menos era esse o esperado.
Este foi também o refúgio para muitos já cansados das guerras e conflitos vividos no Velho Continente. Os donos do dinheiro mais antigo ostentavam respeito e tradição, nomes imponentes e eram idolatrados pelos que neles se espelhavam, ainda que, muitas vezes, seus cofres não mais estivessem repletos como antes. Esse montante se moveu, e agora repousa ao lado dos novos ricos, aqueles que talvez não saibam (ainda) como dominar modos e costumes, mas possuem vontade suficiente para adquiri-los e são capazes de pagar o preço para tanto, independente do quão alto esse for. Ou seja, a impressão por parte da audiência é que a atenção voltada aos trabalhadores braçais, por assim dizer, é mais resultado de uma estrutura conhecida, ainda que em desuso, e menos por uma necessidade narrativa. Em A Idade Dourada, o verdadeiro – e mais interessante – conflito se dá entre os endinheirados: de um lado, os que aparentam sem tê-lo, e do outro, os que o possuem, mas não atuam conforme suas posses.
Tanto é assim que em todo o material de divulgação do programa, os dois nomes (e rostos) de maior destaque são os de Christine Baranski (espetacular como Agnes Van Rhijn, a representante de uma nobreza em decadência, ágil nas palavras e econômica nos gestos) e Carrie Coon (precisa como Bertha Russell, a esposa de um empresário emergente que pretende usar todos os meios ao seu alcance para garantir um lugar à mesa dos que não apenas controlam o poder, mas também sabem como usá-lo). Cada uma delas responde por um lado dessa questão. Enquanto Coon tem consigo o marido (Morgan Spector, de The Plot Against America, 2020) e os filhos (Taissa Farmiga, que segue interpretando adolescentes, mesmo que já tenha quase 30 anos, e Harry Richardson, visto rapidamente em Dunkirk, 2017), Baranski é a matriarca de uma família desprovida de homens, morando sozinha com a irmã (Cynthia Nixon, revigorada logo após a contemporaneidade vista em And Just Like That, 2021), enquanto lida com o filho único (que não sabe que é gay) e com a sobrinha órfã e recém chegada, Marian (Louisa Jacobson, caçula de ninguém menos do que Meryl Streep, estreando como atriz). É esta, porém, a real protagonista da história, e sobre seus ombros recai uma responsabilidade que talvez não estivesse preparada para lidar, mas com qual lida com visível comprometimento.
Marian é a personagem que deve fazer as vezes do espectador diante de um universo que este desconhece – assim como ela. Após perder o pai e descobrir que não possui mais nada, nem mesmo a casa onde morava – que foi tomada pelas dívidas – seu único destino é ir morar com tias com as quais não tinha contato, em Nova York. Agnes e Ada (Nixon) a recebem, mas não sem ressalvas. O abrigo é concedido, primeiro, por uma obrigação familiar, mas também por uma preocupação social – o que falariam se alguém de mesmo sobrenome de duas senhoras tão respeitáveis acabasse na sarjeta? Marian, porém, não está preocupada com essas convenções. Ao mesmo tempo em que é grata pela ajuda recebida, não consegue se conformar com certas rivalidades aparentemente gratuitas – como as em relação aos vizinhos que recém se mudaram para o palacete do outro lado da rua, os Russell – ou imposições que acredita serem ultrapassadas, como as que restringem o espaço feminino no mercado de trabalho e a função dessas como se única e exclusivamente fosse encontrar um bom marido. Outro debate interessante, ainda que não muito aprofundado, é a respeito da presença de negros nesse cenário, proporcionado pela inclusão de Peggy Scott (Denée Benton), que não apenas assume essa função, como também representa uma mulher independente em uma realidade machista.
Fellowes e seus colegas, como a co-roteirista Sonja Warfield (Will & Grace, 2003-2005) e os diretores Michael Engler (Sex and the City, 2001-2004) e Salli Richardson-Whitfield (A Roda do Tempo, 2021) parecem ter tanto à disposição em A Idade Dourada, que hesitam em assumir uma direção sólida a ser percorrida. Os dramas dos serviçais, como a cozinheira que deve para agiotas, a camareira com uma mãe doente, o mordomo órfão, o cozinheiro de origem misteriosa e a governanta intrometida, são não mais do que citados, discussões pontuais que ocupam um ou dois instantes, para logo serem descartados. Enquanto isso, o confronto entre tradição e modernidade vai se reprisando ao longo de diversos rounds, seja na mesas de negócios ou nos salões de baile. Entre figurinos deslumbrantes e uma direção de arte precisa até nos mínimos detalhes, eis aqui o começo de uma jornada que tem os elementos nos lugares certos. Resta descobrir se haverá coragem suficiente para bagunçar tamanha beleza em nome de uma espontaneidade que poderá, enfim, oferecer ao conjunto a personalidade que tanto necessita, mas que ainda não encontrou.
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