Crítica


7

Leitores


3 votos 8.6

Onde Assistir

Sinopse

Várias pessoas enfrentam questões cotidianas em determinada manhã. Trabalho, escola, lavagem de louça e outros eventos frugais se acumulam num dia em que relacionamentos serão testados.

Crítica

Concorrente islandês ao Oscar de Melhor Curta-metragem de Animação, Yes-People é um retrato agridoce de um dia qualquer em determinado prédio residencial cujas paredes permitem aos sons de uns apartamentos penetrarem nos outros. O que os personagens têm em comum é o fato de que, em praticamente todo o filme, apenas falarem yes (sim, em inglês) e suas variantes guturais. Num cômodo, o casal idoso de longa data está despreocupadamente tomando o seu café da manhã. O barulho que a esposa faz ao mastigar incomoda o marido, mas, em vez de repreendê-la ou qualquer coisa que o valha, o marido não tão sutilmente aumenta o volume do rádio. A vizinha dança ao som dessa música que ecoa, enquanto acorda um sonolento adolescente para ir à escola. Já no terceiro núcleo, uma dona de casa emburrada vê o marido arrumar-se para ir ao trabalho. É interessante como o cineasta Gísli Darri Halldórsson (também responsável pelo roteiro) estabelece a ligação sonora entre esses ambientes com dinâmicas práticas distintas, mas que carregam semelhanças.

O fato dos personagens apenas utilizarem a afirmação como estratégia de comunicação faz parte dessa pegada ao mesmo tempo levemente cômica e dramática, sobretudo quando eles contradizem a positividade com gestos. Adiante, a gritaria do casal idoso durante o sexo gera graça pela forma como os moradores reagem ao retumbar exagerado repleto de “yes, yes”, que evidentemente remete de modo jocoso a um clichê do cinema pornográfico. Em pouco menos de oito minutos, Yes-People apresenta um adolescente sonolento durante a escola, estimulado bem mais a passar as noites jogando videogame, nem que isso prejudique a atenção durante as aulas; uma mãe cantarolante, mas que deixa frestas sutis para entendermos o excesso de otimismo como forma de tentar mitigar a monotonia do cotidiano; um homem aparentemente alheio às demandas afetivas da esposa, daquele tipo de funcionário padrão robotizado pelo andamento da vida adulta; e o alcoolismo de uma mulher que provavelmente não aguenta mais a pasmaceira de sua rotina caseira, talvez há anos insatisfeita.

Várias dessas conjecturas são possíveis por conta da composição das cenas em Yes-People. Por exemplo, a alcoólatra tratada quase como objeto decorativo pelo marido obeso. Ela geralmente aparece sentada, próxima à porta (como se quisesse intuitivamente fugir?), ao lado da fotografia desbotada do dia em que os dois contraíram matrimônio. No quadro que alude ao passado, o sujeito tem porte físico menos avantajado e ela está com semblante visivelmente assustado. Embora em nenhum momento Gísli Darri Halldórsson invoque diretamente o que aconteceu para ambos chegarem ali, é suficiente esse elemento visual a fim de pressupormos a trajetória errática que redundou numa união burocratizada. Ainda que o som seja essencial (inclusive como elo narrativo), o curta-metragem utiliza habilmente os princípios do cinema mudo, tanto no que diz respeito à utilização da pantomina quanto pela disposição à resolução das coisas imageticamente.

Há uma série de pequenos dramas ressonantes em Yes-People, mas também alívios cômicos e passagens singelas capazes de enriquecer esse retrato, não fazendo dele de todo pessimista por dotá-lo de leveza. Indício disso, quando a idosa está lendo despreocupadamente Marcel Proust às gargalhadas (?) e tem um sobressalto ao ser surpreendida pela flatulência ruidosa do marido que resolveu se aliviar nas proximidades sem a mínima cerimônia. Entre os dois casais do curta-metragem há a diferença primordial de que, embora a ambos a rotina tenha se imposto (como é natural), eles lidam com a mesma de jeitos fundamentalmente discrepantes. Tanto que na sequência final, a senhora de calcinha e sutiã murmurando uma música, muito feliz depois do sexo com o maridão, entrega a ele a pá. Oras, antes o senhor tinha demonstrado desgosto por conta da nevasca reincidente que encherá novamente as ruas que ele limpou. Se trata de aceitar a natureza contínua da ação.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *