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Sinopse

Filhos acompanha Eva (Sidse Babett Knudsen), uma agente penitenciária que tem sua vida aparentemente comum transformada ao se deparar com o dilema. Um jovem de seu passado é transferido para a instituição prisional onde ela trabalha, e precisa decidir como irá se comportar agora que o rapaz está tão próximo dela.

Crítica

O sueco Gustav Möller é um realizador econômico. O primeiro longa que assinou, Culpa (2018), contava basicamente com apenas um ator em cena, num mesmo cenário na maior parte do tempo. O sucesso foi enorme – não só foi escolhido como representante oficial da Dinamarca no Oscar, como ganhou uma refilmagem em Hollywood pouco tempo depois – que a tentativa de se repetir se tornou quase inevitável. Filhos, seu segundo filme e também uma volta ao cinema após um período ao qual se dedicou à televisão, não chega a ser tão radical, mas limitações similares se fazem presente, aumentando ligeiramente o escopo. E se a sensação, principalmente para quem está familiarizado com o estilo do cineasta, pode resultar num déjà vu, o que impede tal confirmação é o desempenho dos protagonistas, ambos comprometidos em um mergulho tão sofrido, quanto intenso. E é por eles que a aposta não resulta num caso perdido.

Eva (Sidse Babett Knudsen, em uma performance tensa e absolutamente interna, através da qual pouco diz e muito guarda em si, manifestando, nas raras ocasiões em que é chamada, geralmente o oposto do que está sentindo) é uma agente penitenciária. Acostumada a lidar com condenados de baixa periculosidade, são pessoas que por vezes chega a tratar como amigos, colegas em um mesmo carece: ela está tão presa quanto eles, pois ainda que possa ir e vir no final de cada expediente, esse movimento não é compartilhado com o público – sua vida, de fato, se passa apenas entre aquelas paredes. Como se lhe faltasse uma motivação que a levasse a aspirar por algo mais. Além da estreita visão dos prisioneiros aos quais entrega refeições, separa correspondências e acompanha em passeios ao sol pelo pátio.

Sua rotina, no entanto, muda a partir da chegada de um novo presidiário. Mikkel (Sebastian Bull, visto em A Caça, 2012) é enviado, no entanto, para uma ala diferente da dela. O espaço que lhe é destinado é reservado àqueles com penas maiores, culpados por crimes realmente graves: como o dele, que apesar de ter sido preso originalmente por um roubo qualquer, assassinou um vizinho de cela após uma discussão. Ela o vê entrar no sistema, e sem hesitar, sua vida ganha um propósito: solicita transferência – pedido que é prontamente atendido – e passa a dedicar seus dias a atormentar a existência do recém-chegado: lhe nega cigarros, suspeita de cada movimento, chega a até impedi-lo de ir ao banheiro. O embate entre os dois é questão de dias. E ela tem um motivo claro para tal comportamento, mistério esse que pouco perdura com o espectador: Mikkel é o homem que matou o filho único de Eva.

Agora, como os demais companheiros de trabalho – ou mesmo superiores – não ficam a par dessa absurda coincidência, talvez seja o maior dos problemas de Filhos (se exige que a suspensão da descrença preencha tal lacuna). Dentro do contexto proposto, a impressão é que Möller não está de fato interessado nesses pormenores, concentrando sua atenção no embate entre os dois. Até porque não tardará para que Eva use de uma força desproporcional – e aparentemente não justificada – contra seu oponente. Como resultado, o rapaz vai parar na enfermaria, e num país no qual os Direitos Humanos são respeitados (uma realidade que pode soar por demais estranha aos brasileiros), ela é que se transforma, de ameaça, em ameaçada: cabe a Mikkel decidir se irá prestar queixa, o que pode resultar não apenas em um afastamento dela de suas funções, mas até mesmo numa responsabilidade penal. Ciente que a bola está agora em suas mãos, a chantagem começa. Mas até que ponto ela se permitirá ceder?

Mais importante ainda: por quanto tempo o segredo que guarda continuará assim, distante do conhecimento não tanto dos demais, mas acima de tudo daquele ao qual as suas atenções e energias se dirigem? É nesse ponto, por mais que as peças se mostrem nos lugares devidos e cada movimento seja friamente calculado, que o resultado passa a se anunciar com incrível facilidade. Sabe-se que a mentira não irá perdurar, que a tensão entre os dois não se sustentará por muito tempo e que mesmo quando ela parece ceder, intenções escondidas podem estar sendo testadas. Filhos, assim, se confirma como um jogo de peças marcadas, no qual interessa menos o desfecho e mais seu andamento, em grande parte pela qualidade daqueles no controle de cada ação. O caminho, enfim, é que faz a diferença. Por mais que sua conclusão não se mostre das mais satisfatórias.

Filme visto durante o 74º Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2024

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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