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Sinopse

Na temporada de promoções de inverno de um loja de departamentos, um vestido passa de pessoa para pessoa, causando ao seu portador da vez todo o tipo de infortúnio. A peça de roupa está totalmente amaldiçoada.

Crítica

Uma das artimanhas do cinema para produzir medo é fazer com que objetos inanimados saiam saracoteando por aí. Geralmente possuídos por algum espírito obsessor, os artefatos perambulam tocando o terror, às vezes se responsabilizando diretamente por matanças ou algo do gênero. Certamente, a visão de um vestido vermelho pairando no ar – quando sabemos que vestidos, inclusive os vermelhos, não poderiam exibir vida própria – deveria provocar, no mínimo, uma sensação de apreensão. Infelizmente não é o que acontece com o péssimo Vestido Maldito, filme que parece fruto de uma colagem de ideias surgidas num brainstorming, mas sem alguém suficientemente corajoso/habilidoso para separar o terrífico do ridículo ou dilapidar melhor algumas tiradas. A protagonista é Sheila (Marianne Jean-Baptiste), recém-separada, trabalhadora de um banco, que, como boa parte das amigas, curte uma agitada liquidação. Na iminência de jantar com um pretendente encontrado por correspondência, ela compra um vestido vermelho numa loja para lá de bizarra, na qual as atendentes são trajadas como governantas do capeta e o gerente parece ter saído da catacumba.

A falta de sutilezas, uma vez administrada sem a mínima destreza, provoca um efeito inesperado. Vestido Maldito oferece alguns instantes tão mal concebidos e apresentados que chega a flertar repetidamente com a comédia. Prova disso, cenas que deveriam ser absolutamente aterrorizantes, tais como a máquina de lavar trepidante, praticamente cometendo suicídio, que acabam sendo bastante patéticas. O cineasta Peter Strickland tenta criar toda uma atmosfera de tensão em torno da perigosa peça vermelho-sangue que não somente traz mau agouro ao portador(a), como também é vista atacando literalmente passarinhos indefesos e demais criaturas que, rapidamente, se convertem em vítimas. A atendente vivida por Fatma Mohamed, que deveria ser uma espécie de elo entre as clientes e a verdadeira natureza da butique-grotesca, não consegue sustentar o clima excêntrico com suas declamações de frases que parecem conjurar o consumismo como uma espécie de maldição capitalista contemporânea. Circunstâncias vêm e vão sem a menor importância. Pessoas entram e saem impunemente do quadro. Por exemplo: a protagonista tem clara birra da sua nora. Mas, e daí?

Tanta coisa poderia ser ressaltada no ínterim entre a apresentação e a constatação de que há algo de muito podre em torno do vestido recém-comprado: o ciúme materno; a dificuldade da mulher de refazer a vida amorosa após a desilusão no casamento; a relação mãe/filho atravessada pela instabilidade derivada do divórcio. Porém, não. Peter Strickland prefere fazer de conta que está aterrorizando o espectador ao lançar mão de expedientes quase totalmente anódinos, vide o comportamento dos patrões de Sheila, a não menos inexplicável conduta da "modelo" de Gwendoline Christie, tudo dentro da estrutura desconjuntada em que atos não reverberam ou são desenvolvidos devidamente. E dá-lhe cena do (in)vestido possivelmente do capiroto se arrastando por debaixo das portas, se esgueirando de modo tosco por cenários em breve demarcados por sua “fúria assassina” e situações arremessadas num caldeirão desprovido de intensidade. Isso sem contar que, num determinado ponto, a tragédia faz com que o filme praticamente recomece com outras figuras protagonistas e uma trama diferente, embora sinalize que tudo é conectado por uma sina malévola.

Dessa parte em diante, as atenções se voltam para Reg (Leo Bill), mecânico prestes a se casar. E “aí foi que o barraco desabou”, como diria a canção de Jorge Aragão, pois Vestido Maldito promove um turbilhão ainda mais acelerado de episódios sem pé nem cabeça, não garantindo a construção de um ambiente genuíno de terror, pois pretere o potencial do pesadelo e da indefinição, ou seja, do que poderia torna-lo menos grosseiro. Tentando buscar inspiração em seitas secretas e rituais macabros, o realizador mostra a estranha cerimônia sexual envolvendo o nascimento de pelos pubianos numa manequim, logo bolinada diante dos olhos do senhor deleitado com a cena enquanto se masturba. O nascedouro de uma vagina, dentro da qual dedos lânguidos chafurdam numa poça de sangue, não serve como indício de lógicas apavorantes, mas à constatação de que não basta mostrar uma coisa distante do comum para incutir medo. É preciso bem mais do que vontade para fazer da esquisitice um gatilho à nossa angústia. Dureza é vencer os (intermináveis) quase 120 minutos desse filme que grita aos quatro ventos supostas virtudes, mas que não consegue fundir estilo e enredo num todo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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