Crítica


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Sinopse

Cansados de seus pais superprotetores, Scotty, Mo e Matt, jovens portadores de necessidades especiais, decidem fugir de casa e embarcar numa viagem rumo a um bordel bastante específico.

Crítica

Desde a primeira cena de Venha Como Você É, Scotty (Grant Rosenmeyer), Matt (Hayden Szeto) e Mo (Ravi Patel) são definidos por duas características essenciais relacionadas ao corpo: eles possuem algum tipo de deficiência física, e estão transbordando de libido. Embora já não tenham passado da adolescência, a paralisia ou cegueira os coloca em situação de exclusão social, acentuada pela proteção excessiva dos pais. O filme não perde tempo em apresentar seu maior, e talvez único conflito central: a vontade de descobrir o sexo. Assim, a reunião do trio de amigos rumo a uma casa de prostituição traz os elementos esperados de filmes do tipo American Pie (1999) ou Porky’s (1981), no qual se pensa no próprio pênis e no corpo das meninas de modo tão obsessivo quanto ingênuo. A subversão, no caso, provém da reunião destes elementos com o cenário das necessidades especiais. A junção poderia provocar um resultado ácido e politicamente assertivo no que diz respeito aos tabus relacionados à sexualidade de deficientes físicos. No entanto, ao adaptar o filme belga Hasta La Vista (2011), o diretor Richard Wong prefere uma narrativa clássica, rigidamente inscrita no feel good movie. Em outras palavras, subverte-se levemente o conteúdo para preservar os lugares comuns da forma. A representação de uma corporeidade diferente não implica numa estética diferente.

Esta sensação é aprofundada pela visão generosa do filme com a diversidade, porém limitada com a representatividade. Venha Como Você É possui personagens asiáticos, indianos e mulheres negras, porém centra a narrativa em três personagens deficientes interpretados por atores não-deficientes. Para um projeto que pretende dar visibilidade a estes indivíduos e abordar com naturalidade seus corpos, seria minimamente coerente empregar intérpretes deficientes e dar oportunidade para que representem a si próprios, não? De qualquer modo, ao menos os jovens atores cumprem bem os seus papéis: Grant Rosenmeyer demonstra facilidade com as falas rápidas e irônicas, Ravi Patel convence no retrato da solidão e do intelectualismo servindo como escudo para experiências reais, e Hayden Szeto estabelece uma forma de equilíbrio entre o estilo hiperativo de um, e melancólico do outro. O trio compreende a necessidade de rir com os personagens, ao invés de rirem deles. É evidente o respeito pelas figuras que interpretam e pelo texto original, em oposição à liberdade para brincarem com as situações absurdas em que se veem inseridos. Entre rir dos desejos sexuais dos garotos e rir da dificuldade de um policial em utilizar os termos adequados sobre a deficiência, o roteiro felizmente opta pela segunda opção.

A comicidade provém essencialmente da subversão de expectativas: não se espera que uma garotinha de menos de dez anos de idade compre preservativos numa farmácia, que um rapaz cego escolha revistas pornográficas numa banca de jornal ou que dirija uma van pela estrada, entretanto, todas estas ações ocorrem ao longo do road movie. Wong faz questão de sublinhar que a jornada interessa muito mais do que o destino, valorizando cada encontro ou quiproquó pelo caminho. Talvez o melhor destes embates provenha do encontro com Sam (Gabourey Sidibe), enfermeira que cuida do trio. Ela também enfrenta dificuldades sociais não ligadas à deficiência, numa associação capaz de espelhar os conflitos dos protagonistas em outros problemas como a pobreza, a violência doméstica e o racismo. Ainda que preserve a estrutura fabular, o filme remete a um contexto social específico. O filme caminha na linha tênue entre o natural e a idealização: por um lado, dedica uma longa cena à dificuldade de Scott em apanhar um telefone celular caído no chão, por outro lado, resolve um importante conflito envolvendo os pais de maneira mágica, benevolente e com bastante conforto financeiro envolvido.

Deste modo, sabemos que os personagens nunca correm riscos de fato. Cada conflito é superado com tamanha facilidade que duvidamos de qualquer possibilidade de tensão: o cineasta substitui a imersão via suspense pelo conforto da comédia, apostando em imagens coloridas, trilha sonora agradável e planos de duração enxuta para evitar o teor contemplativo. As únicas questões inevitáveis, neste contexto, são a deficiência e a morte, esta última anunciada desde o início no caso de um personagem. O roteiro acena ao horizonte de euforia (o prazer sexual) e de tragédia (a morte), representando as duas por vias simbólicas, sem jamais mostrá-las de fato. Para um filme tão interessado em desmistificar o tabu do corpo com deficiência, Venha Como Você É ainda tem medo de expor um corpo diferente ou de mostrar o sexo envolvendo jovens cadeirantes e cegos. Quando começam a beijar alguém, um fade carinhoso nos leva ao dia seguinte. A censura PG-13 explica parte deste pudor, mas também se percebe a dificuldade em naturalizar o próprio tema através da representação em imagens. Não seria possível expor a nudez sem atingir o choque ou fetiche? Talvez esta seja a principal barreira a superar pelo cinema de discurso benevolente.

O resultado é uma constante tentativa de trânsito intermediário entre tons e posturas fortes: Wong não deseja produzir um humor exagerado, nem uma dramaticidade excessiva; ele não quer acelerar as cenas, nem deixá-las se arrastar; não quer chamar atenção ao dispositivo cinematográfico, nem mergulhar de vez na fantasia. Algumas cenas demonstram discreta ambição (o longo zoom no rosto dos garotos durante o monólogo extenso do restaurante), enquanto outras se revelam meramente funcionais, filmadas com descuido (a crise de saúde na ponte, a briga no bar). Certos conflitos se resolvem num passe de mágica (a chegada dos pais), enquanto outros recebem um tratamento muito mais complexo (a conclusão dos garotos sobre a “irrealidade” do prostíbulo e o prazer fugaz do sexo). O otimismo irrompe ao final, como prometido, atando pontas soltas e criando um laço eterno entre os amigos, unidos não apenas pela deficiência, mas pela experiência marcante da viagem. Um inesperado rap dentro da igreja sela o embate entre opostos, percebidos como compatíveis através da força de vontade. O drama navega por meios-termos, pela atenuação entre extremos, o que pode ser tão benéfico em termos humanitários quanto nocivo no que diz respeito ao discurso político.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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