Crítica

Julgar quem apoiou o nazismo parece uma lógica. Quem, com o mínimo de caráter, teria coragem de ter seu nome ligado a uma organização que matou milhões de pessoas em nome de uma tal raça ariana, que hoje sabemos não existir? Mas será que quem colaborou para Hitler e seus companheiros sabia a real dimensão de seus planos ou se questionava sobre os argumentos apresentados? Uma Vida Alemã, documentário dirigido por Christian Krönes, Olaf S. Müller, Roland Schrotthofer e Florian Weigensamer, tem apenas um personagem, mas passa longe do tédio. Brunhilde Pomsel faleceu recentemente e tinha 103 anos quando deu seu depoimento. Apesar da idade avançada, sua lucidez e a voz clara tomam conta da tela, onde ela é mostrada em um preto e branco de grande impacto. A fotografia é para combinar com suas falas, sombrias como a guerra.

Brunhilde foi secretária Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler e afirma ter aceitado o trabalho por causa do bom salário. Antes de assumir o cargo, ela havia prestado serviços de datilógrafa a um advogado judeu. Sua história parece ficção. A todo momento ela fala sobre uma espécie de feitiço que pairava sobre Berlim, sua cidade, e toda a Alemanha, fazendo com que as palavras de ordem do nazismo soassem como música aos ouvidos da população.

Ela lembra do período das Olimpíadas de Munique como um momento empolgante de sua vida. Não há como não lembrar de Olympia (1938), o filme de Leni Riefenstahl que exalta os corpos e a suposta superioridade dos atletas alemães durante os jogos. Intercalado por filmes de propaganda e trechos de discursos de Goebbels, as memórias de Brunhilde causam um misto de desconforto com compaixão no espectador. Não há um pedido de desculpas escancarado, mas a senhora parece reconhecer que sua geração vivia alienada ao que o nazismo estava realizando e se conformava em aproveitar as oportunidades que o regime oferecia. Segundo seu relato, ela era apenas uma secretária. Ao descrever seu chefe e sua transformação durante os discursos transmitidos pelo rádio, ela faz pausas e parece sair do ar por alguns segundos. Estaria pensando que não foi atenta aos sinais como deveria?

A filiação ao partido nazista e a dita falta de informação sobre o que acontecia nos campos de concentração afirmada por Brunhilde soam estranhas, por mais que ela bata na tecla que “todos eram assim” na Alemanha. A desconfiança sobre a sinceridade de seu relato cresce quando ela diz desconhecer os linchamentos a estabelecimentos comandados por judeus em 1938, a chamada Noite dos Cristais. A alienação era mesmo tão grande?

Perguntas surgirão após o final de Uma Vida Alemã, já que ele não é um filme que defende ou julga seu personagem e é isso que o faz uma obra incrível. A própria edição se preocupa em equilibrar as dúvidas de Brunhilde com seus arroubos de admiração pelo nazismo. A descoberta das atrocidades cometidas pelo regime que lhe garantiu salário e status na sociedade parecem ter abalado a ex-secretária. A consciência pesada convive com a indignação pelo tratamento recebido na prisão, onde passou cinco anos após o fim da Segunda Guerra. Em suas próprias palavras, ela não havia feito nada. Hoje, com rugas no rosto e um olhar distante, ela parece ter dificuldade de admitir que seu silêncio foi, de certa forma, um crime.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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